sábado, 16 de agosto de 2008

Titre de séjour: cada caso é um caso II

Caro Diego,

Enfim, comento sobre o que acontece quando você já está na França. Desculpe, Diego, mas o processo que você descreveu foi muito certinho. Um mês?! Poxa...

...

Vamos lá:

1) Quando eu cheguei na empresa na França, seguindo a orientação burocrática, a empresa imprimiu uma cópia do meu visto com a estampa de entrada e enviou para a ANAEM. Não foi para qualquer ANAEM: foi para a ANAEM do departamento 92, onde a empresa está localizada. A resposta: "aguarde que a ANAEM vai te retornar uma convocação para visita médica";

2) Duas, três, quatro semanas e nada de resposta. Eu tento abrir conta em banco. O gerente pergunta: "Você tem o récépissé do seu seu processo?". Não. Eu tento alugar um apartamento. Mais uma vez me perguntam: "cadê o récépissé?". "Pergunta pra sua mãe", era o que dava vontade de falar. Resolvi pressionar a empresa: "Cadê o récépissé? Quando é que vou ter o titre de séjour?". A moça resolveu ligar na ANAEM e olha só, que coincidência: no dia seguinte, recebi a convocação para o exame médico. Mas só pra depois de 3 semanas. E nada de récépissé;

3) Mais três semanas se passaram, eu já arranjei um jeitinho pra abrir conta em banco e alugar apartamento sem récépissé ou coisa alguma. A ineficiência do setor público francês te lança na ilegalidade.

4) E lá vou eu para a ANAEM para a "Visita Médica". Em uma sala estou eu, um rapaz das ilhas Fiji, africanos, árabes, poloneses, romenos. Antes da visita médica, uma francesa tchutchuca e sorridente, apresenta um vídeo sobre os valores da República Francesa: "Liberdade, igualdade e fraternidade". O vídeo insiste em repetir "Na França, a mulher tem direitos iguais aos do homem", "A mulher pode escolher o seu trabalho sem pedir permissão ao marido", "o Estado é laico e o uso de qualquer adereço religioso é proibido em repartições públicas, inclusive o véu". Impagável o sorriso irônico de alguns da sala;

5) Um funcionário, notoriamente estrangeiro, adentra o recinto e explica em uma língua que lembrava francês que o domínio da língua francesa é obrigatório para a manutenção do visto. Talvez fosse para motivar a turma: se até ele, com esse sotaque, foi aprovado, não deve ser tão difícil assim...

6) Após alguns exames, a assistente social me dá meu "contrato de integração", uma convocação para a "formação cívica" para o dia 7 de setembro (um mês e meio depois), e um certificado de visita médica. "Apresente isso para a préfecture".

E aí começa a complicação. Mas antes de mais nada, deixa eu lembrar que aqui prefeitura é mairie e que préfecture é algo como um governo estadual.

O problema é que:

- o processo foi iniciado no Departamento 92;
- eu moro em Paris (Departamento 75);

Em qual Préfecture devo ir? Segundo a assistente social, após dois longos telefonemas, "na Préfecture de Boulogne (92), pois é lá que está seu dossier". E nada de récépissé.

7) E lá fui eu, todo inocente, bobinho, às 9h da manhã, horário de abertura, na Sous-Préfecture de Boulogne. Visão do inferno: gente para todo o lado. Gente de pé. Gente sentada. Pego a senha: 116 pessoas na minha frente. Dois caixas atendendo. Atendimento de 10 minutos em média por cabeça. Faço as contas: não serei atendido antes das 16h, quando fecha. Desisto e vou para o trabalho;

8) Chego no trabalho e comento meu caso, indignado, com um tunisiano. Ele me recomenda: "vá diretamente à Préfecture de Nanterre. Eles têm mais atendentes, são mais organizados. Lá é tudo rápido". Saio na hora do almoço e vou pra lá. Visão do inferno: um prédio gigante, com uma fila igualmente gigante, que sai pra fora do prédio. Vou até o início da fila: a fila de informações tem aproximadamente 60 pessoas e uma mulher estressada atendendo. A fila normal contém 1 atendente, e dois caixas fechados para almoço. Havia no total, mais de 500 pessoas no recinto. Voltei para o trabalho sem o tal récépissé e sem esperanças;

9) Sou brasileiro e não desisto nunca. Acordei cedo no dia seguinte, 6:30h. Às 7h, entrei no metro e 7:45h estava na porta da Sous-Préfecture de Boulogne. Quando peguei a senha às 9h da manhã, horário de abertura, eu era o sexagésimo. Resolvi dar uma volta pelo bairro e voltei só pelas 11h. Fui atendido às 12:15h. Se é que dá pra chamar isso de atendimento:

- Pois não?
- É para o pedido do meu primeiro título de séjour...
- Dá-me seu récépissé...
- Eu não tenho récépissé.
- COMO NÃO?!? Conte-me sua história.
- Sou ex-sheik. Eu morava em meu Emirado, com meus camelos, limpava o ânus com areia e bla, bla, bla...
- Ok. Deixa eu olhar o sistema... - clec, clec, clec, barulhinho de teclado - mas eu não encontro o seu dossier. Você tem uma justificativa de domicílio?
- Sim, o meu contrato de aluguel. - entrego, orgulhoso, o meu contrato de aluguel, que consegui fechar sem porra nenhuma de récépissé.
- AAAAAAAAAAAH! MAS VOCÊ MORA EM PARIS ?!?!
- VOCÊ TEM QUE ENTRAR COM O PEDIDO NA PRÉFECTURE DE PARIS. PRÓXIMO!
- Mas, senhora, a Assistente Social da ANAEM ...
- VOCÊ TEM QUE ENTRAR COM O PEDIDO NA PRÉFECTURE DE PARIS. PRÓXIMO!
- ... me falou que eu tinha que vir aqui, porque aqui está meu dossier.
- VOCÊ TEM QUE SOLICITAR A TRANSFERÊNCIA DE SEU DOSSIER PARA PARIS. PRÓXIMO!
- E como eu faço isso?
- VÁ ATÉ A PRÉFECTURE DE PARIS. PRÓXIMO!!!!

Um comentário:

iglou disse...

Je suis désolé...