quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Bye, bye London?!

Acabo de saber por esta reportagem publicada no Le Monde que a libra esterlina chegou ao fundo do poço: 1 € = 0,90 £.

Aliada à promoção do Eurostar (25 mil bilhetes à Londres em janeiro à 77 € à venda à partir de 26 de dezembro), eu tenho outra teoria: é hora de dizer Hello, London!

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Fel

Olá meu diário,

São 01:42h da manhã. Sim, vou chegar atrasado amanhã. Foda-se, que dia escroto. Um "amigo" vem com a novidade, tirando barato da minha cara:

- Já sabe a novidade? Ela pediu demissão e está indo para a Austrália.

Lembro como se fosse hoje, quando ela voltou da Grécia:

- Então... eu te traí...
- Com quem?
- Com um autraliano.
- Mas e aí?
- Não, não rola mais nada... ele é de muito longe. Nem rola mais nada, foi só uma aventura...
- Usou camisinha?
- ?!?!?!?!
- ...

Já passou 4, 5 meses. 6 ou 7 mulheres. Já deveria ter passado.

Ela era a Terceira. Que coincidência: sexta passada fui a um bar: encontrei a Sexta com um outro cara. Nem doeu tanto, talvez porque pulei fora ao primeiro sinal de naufrágio. Ou simplesmente porque paixão mesmo foi a Terceira. Como toda paixão, coisa rara, para minha sanidade mental. A miséria da humanidade é se apaixonar, ou pior, acreditar nessa história de amor. A Quarta jogava limpo, sincera: "tenho fetiches", dizia. Queria me ver com outra. "Mas não vamos planejar, tem que acontecer". E por que não me apaixonei por ela? Legal, imagino-me já, com duas, lambendo os beiços. Mas não rolou, paixão não acontece assim, né? Meu querido diário, a próxima vez que eu aparecer com esse papo de que parece-que-achei-uma-mulher-perfeita, por favor: encha-me de porrada.

O pior da traição não é a infidelidade em si: é o premeditado engano. Esse fazer de conta que somos tudo, essa desnecessidade de ligar num domingo de manhã para dizer "tu me manques", quando no seu âmago, é apenas um artifício para te prender, até achar uma nova fruta, um novo otário, um novo produto na prateleira. E aí, cai a máscara: "desculpa, mas...". Sejamos francos: para uma aventurazinha, podemos ser claros: é só isso e aquilo e nada mais. Pronto! Ninguém cria ilusões. Contrato assinado preto-no-branco. Mas não, precisa deixar a escova-de-dente no banheiro, deixar a chave da casa, levar a mochila, a câmera, ...

Tenho uma teoria: a Europa é uma grande Disneylândia para adolescentes. Terra de pseudo-adultos, infantilizados pelo excesso de conquistas das últimas gerações. Tudo é fácil: eu paro de trabalhar e tenho um salário-desemprego de 80% do salário. Eu posso dizer 'foda-se' e sair por aí, pois volto e tenho meu emprego. Eu posso cruzar fronteiras, e não importa onde eu vou, sou aceito, pois sou o escolhido: sou Europeu. Todos me desejam. E o que são os outros? Sul-americanos, africanos, asiáticos, ... frutas de sabores distintos. E só.

Deixa essa teoria pra lá. Aconteceram coisas boas: recebi um SMS de Dubai "How are you?". O telefone tocou: o amigo ciclista mal chegou em Paris e já foi expulso da casa de uma menina. Eu rio quando nesse teatro, essas garotas fazem-se de ofendidas. Talvez seja isso o que elas procuram: a vivência cênica. Ainda assim, melhor que Dubai: aqui ao menos não é necessário pagar champagne, bolsa Louis Vitton, ...

Duas da manhã. Agora sim, vou dormir e acordar tarde, e chegar tarde, e trabalhar fazendo cara feia. E quer saber? Nem vou voltar a escrever nessa sessãozinha de merda de diário de merda. Eu pensei que já tinha superado essa história da Terceira. Mas hoje isso me virou o estômago. E que não venha com e-mail de despedida, de querer sair bem na foto, de final feliz. Vai levar um "vai se foder" na bagagem pra Oceania.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Neve



Isso foi na terça-feira.

Em 5 parágrafos

Bom dia, meu querido diário,

Primeiro parágrafo - as regras do jogo - Já começo dizendo quais são as regras do jogo hoje: apenas 5 parágrafos. Imponho-me uma disciplina, que é para não te cansar.

Segundo parágrafo - sapin de nöel - Já era meio-dia e meia da madrugada quando tocou a campainha. Ou o celular, ou o telefone. Ou o despertador. Atendi o interfone. Era o concierge: "Chegou uma encomenda para você. Oba! Lá embaixo, maior algazarra: a petizada montava junto com Laurent a árvore de natal. Para eles, o natal é um grande evento. Para mim, um dia como outro qualquer. O que foi que se perdeu nesses anos todos, que não consigo mais sentir aquelas cores distintas dos dias especiais? Talvez seja essa a função das crianças: na certeza de suas fantasias, levar os mais velhos a reviver as cores mágicas dos Grandes Dias - Natal, Ano-Novo, Páscoa, Festa Junina, Ramadan, Eid Al Fitr, Eid Al Adha, No Ruz, a festa da Yalda, Chaharchambeh suri, Quarup, Diwali, Carnaval, Aniversários - aos quais esperam impacientes. Hoje, espero impaciente apenas as minhas férias. E curiosamente, reluto em marcá-las.





Terceiro parágrafo - livros! - apesar das cores opacas, hoje é um dia especial. Chegaram os livros que comprei pela internet. Mais de 2500 páginas. Se eu ler 25 páginas por dia, são 100 dias de leitura, o tempo que levou para Amir Klink atravessar o Atlântico a remo:



- Fragments d'un discours amoureux, Roland Barthes - dica da minha irmã e citado em um livro de psicanálise que li. Fiquei curioso...
- Le Brésil, terre d'avenir, Stefan Zweig - a primeira vez que ouvi falar dessa austríaco que se suicidou com a esposa no Brasil foi na casa do Danilo, em Nice. Depois ele seria também citado no último livro de psicanálise que li, mas por conta de um outro livro...
- Le joueur d'échecs, Stefan Zweig - sim, é esse o livro que foi citado.
- Du côté de chez Swann, Proust - esse é o primeiro tomo dos sete que compõem "À la recherche du temps perdu", escritos ao longo de 30 anos. Livro parrudo de letras diminutas. Linguagem soutenu. Começo a entender por que ninguém o lê.
- Le rouge e le noir, Stendhal - estamos entrando no terreno de "gente grande"... será que eu consigo?
- De l'amour, Sthendhal - eu ia encomendar "La Chartreuse de Parme", mas na última hora troquei por esse aqui.
- The waves, Virginia Woolf - o único em inglês. Mais um citado no livro de psicanálise que li. Você sabia que ela se suicidou em alto estilo? Escreveu uma carta para o marido, encheu os bolsos de pedra e entrou em um rio.

Tudo bem. Eu sei que pulando uma linha assim eu caracterizo um novo parágrafo. Mas pra mim, é como se fosse o terceiro ainda. Eu sei que você me perdoa. E você deve se perguntar: que livro é esse de psicanálise? L'incapacité d'être seul - essai sur l'amour, la solitude et les addictions, de Catherine Audibert. Ela afirma que alguns eventos - morte, fim de relacionamento, mudança de país - reavivam sentimentos de solidão-angústia em indivíduos que não amadureceram na infância a sua capacidade de estar bem só. Neste contexto, as atividades viciosas - e o vício ou compulsão pode ser por qualquer coisa: uma droga, uma relação amorosa, sexo, remédios, comer, não comer, escrever, correr, pedalar, nadar, comprar - serviriam como um mecanismo de auto-proteção psíquica que impediria o sujeito de enlouquecer. BINGO! E sigo aqui escrevendo, tomando o meu café, com você ao meu lado. Vício? Ao menos estou sentado. Parece que Fernando Pessoa escreveu Mensagem de uma tacada só, de pé, escrevendo em uma prancheta. E eu não sou Fernando Pessoa, nem quero ser; já sou alguma coisa: sou engenheiro. E olhe lá.



Quarto parágrafo - la bouche souceuse - Sim, eu tenho um certo preconceito a quem cita os outros: parece que está enchendo linguiça. Ou melhor: tentando "pegar carona" na fama alheia. Como se o fato de ter lido um Grande Clássico confira alguma qualidade às merdas que se escreve. Mas vai ver se você encontra alguma referência a outros em Grandes Sertões, por exemplo. Não há. Ou melhor, eu não vi. Vixi, mas isso já é uma citação... mas eu reconheço: tenho citado muita coisa ultimamente. Mas eu posso: enquanto escritor, sou ótimo engenheiro. Mesmo que nenhuma das minhas atividades sejam relacionadas à engenharia. E tenho que pagar CREA. E uso e abuso do status que isso me proporciona. Tenho que aproveitar; na faculdade, as meninas me perguntavam:
- Ei, você é músico?
- Mais ou menos.
- Que instrumento você toca?
- Eu toco teclado...
- Que legal! O máximo teclado...
- ... de computador...
- Ah tá - entenda-se "piada sem graça" - ... mas de que curso você é?
- Engenharia de...
- Ah, tá... entendi.
E acabava por aí a conversa... meses sem beijar. E nas aulas, aquele volume asfixiante de homens, que falavam de futebol, carro e bundas das meninas-máquinas das revistas (que de tão perfeitas, não me atraíam). Alguns falavam de computação, e eram insuportáveis. As meninas que me atraíam eram justamente aquelas que não se maquiavam, que combinavam um cachecol de lã verde com botas pretas e um casaco de brechó, ou que de um dia para o outro, raspavam a cabeça. Imprevisíveis e elegantes na simplicidade. Naquela época, cheguei até a ler algo sobre Brecht, com o único fim de ter algum pretexto para copular com as garotas das Artes Cênicas. Mas entenda, diário: naquela época eu ainda não tinha essa boca inflável - bouche souceuse - e pensava ainda que precisava ter uma mulher interessante ao meu lado, alguém que fosse uma fonte infinita de descobertas e soubesse beijar sem por isso ter mau hálito, para conseguir suportar o peso dos dias. Mas hoje, com o dinheiro que a vida de "engenheiro" me proporciona, descobri esse brinquedo. Quando sinto falta de beijo, tiro ela do bolso e smuááác. E ouvi dizer que tem gente que em vez de beijá-la, põe o pipi dentro. Que nojo, meu diário! Já imaginou, você, esfregando a glande do pipi na borda de um copo e depois indo lá, com a maior naturalidade, e ... beber água? Há gente que vai argumentar - "mas são todas substâncias suas" - oras... mas eu entendo a sua incompreensão: diário não tem pipi, não tem braços, só páginas de papel e um elástico que fecha a capa.

Quinto parágrafo - tiro ela do bolso e muááác... certa vez disse isso diante de uma portuguesa e ela riu derisoriamente - "vocês falam como crianças. Meu filho também fala assim". Está bem, diário. Se isso te faz feliz, mudo: "Tiro-a do bolso e muááác". Mas soa estranho. "Tiro ela" pode soar feio, mas é mais natural. E agora, chega: são quase 15h, e ainda tenho que lavar e passar roupas, lavar louças, andar de patins e bicicleta e limpar o apê e sair à noite e dormir cedo. Você sabe que não vai dar tempo, e eu também. Mas a vida é assim, cheia de planos. Alguns realizáveis, outros não. Fui.

Paris - zero grau

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Meu querido diário

Pois então,

Começo hoje mais uma nova sessãozinha, "Meu querido diário" (sim, inspirado um pouco por um livro de Bukowski que venho de ler que de tão mal humorado, é engraçado).

Os acentos? Você corrige o que está escrito em seu diário? Oras... enfim, publico sim, e depois corrijo. Intchallah... pourvu que... eu poderia bem deixar o post como "rascunho" e corrigir depois em um teclado QWERTY com todos os meus saborosos acentos, como às vezes faço com outros posts. Mas com esse aqui não: simplesmente porque diferente dos que escrevem em seus diários, não escrevo para não ser lido. Nao, eu não escrevo para mim: escrevo para você, para ser lido agora, no ato, querido leitor inchirido.

Inchirido? Enchirido? Enxirido? Inxerido? Eu ja procurei no dicionário e não achei. Mas essa palavra existe sim, pelo menos pra mim: eu posso até vê-la dançando de tanguinha (vermelha), peitos fartos (topless vermelho) e dizendo com batom (vermelho): "você me ouve, logo existo".

Notas da revisão: é enxerido! Valeu Lou!

Diego! Você sabe: como tudo por aqui, "meu querido diário" é sua também. O que é seu é meu, o que é meu é seu. Ou quase: sem essa de querer pegar no meu e dizer que é seu que isso não vale. Mas pode esvaziar o seu sótão como se você realmente não quisesse que outros lessem, ou os gráficos mais infames que afligem sua alma, como aquela dor-de-barriga que so se acalma quando o bicho sai.

Então eu começo:

Meu querido diário, (escrevo em lápis verde concentrado na caligrafia, olhos esbugalhados e lingua saindo pelo canto da boca).

Dez de dezembro de 2008. Hoje, quando saí do metro, pensei: vou escrever no blog. Um texto quase poético, talvez. Pensei em tom grave: "Entrei no metro era noite, era noite. Quando sai, ja era dia, era dia".

Pronto. Respiração profunda: "sou inteligente! Sou sentimental! Puxa!". Andei mais uns metros ainda na estação, um Napoleão: comigo, ninguém pode. Outra idéia: completar com duas fotos: uma, no breu, às 8h, e outra no claro, às 9:50h. Clic!



Mas eu não tirei a foto às 8h... droga.

O RER hoje estava comportado: apenas 20 minutos de Gare de Lyon até Rueil. Ontem, foi quase 40. Ao menos o maquinista de ontem (ou condutor? Da pra chamar assim alguém que pilota uma alavanca?) tinha bom humor. Ou mal, não sei, mas era engraçado: todo mundo ria com seus anúncios:

- Coragem, senhores passageiros! Aguardamos aqui alguns minutos ainda a saída de um trem a nossa frente em Chatelet.

- Bom, eee... eu vos peço um pouco mais de calma, senhores passageiros, aguardaremos ainda mais uns minutos aqui antes de Charles de Gaule-Étoile. Eu sinceramente não sei a razão pela qual hoje estamos um trem atrás do outro, tão devagar, mas bom, eu vos convido a entrar no site do sindicato dos transportes e deixar uma pequena mensagem com seus sentimentos, dizendo qual é o seu RER preferido. Quem sabe assim alguém faz alguma coisa...

- Apertem os cintos, senhoras e senhores! Agora iremos um pouco mais rápido: incríveis 60 km/h. Atenção!

Sabe? Eu gosto dessas pessoas que conseguem transformar um trabalhinho horrendo em algo diferente, atraente, engraçado. Li em um livro hoje que isso se chama "criatividade". Ele poderia ter se resignado a sua função de conduzir a maquina, mas com sua presença de espírito, fez um monte de gente rir perante o tédio quotidiano. Uma andorinha não faz verão, mas para quem estava naquele trem naquele momento, ele fez diferença.

Trem engraçado e confortável: ontem vim sentado até La Défense. O trem era de dois andares e seguia até Cergy. Em La Défense peguei o habitual, que chegou lotado de gado. Hoje foi um lixo: apertado como sardinha em lata até novamente La Défense. A vantagem é que não havia nenhum músico no trem.

Sabe? No horario de ontem, às 10:30h, o trem já vem mais vazio. Quando eu ouvi aquela voz ("Mesdames, Messieurs, excusez-moi de vous déranger..."), eu ja previ os atos seguintes: a mesma gravação de pianinho. A mesma voz. As mesmas 2 músicas em espanhol. Eu ja devo tê-la ouvido uma dezena de vezes. Sim, a primeira vez eu me emocionei e dei uma moedinha. Mas depois da terceira ...

Ando mais um pouco na estação. Penso de novo na brilhante frase que havia pensado para um post: "era noite, era noite... era dia, era dia"; veio-me a cabeça uma musica do Rappa. Que merda de post. Coisa de fracote sentimental; snif, snif. E ainda sem a foto das 8h. Que lixo de pensamento. Quer saber? Não vou publicar esta merda, quisera eu não ter pensado em coisa tão ridicula. Quer saber mesmo o que eu fiz? Quer saber? Entrei na padaria. Não, hoje não vai ser pain aux raisins. Hmmm... esse baguette com queijo brie fatiado parece interessante...

- Un pain au frommage, SVP (s'il vous plaît)

Ela me entrega não a com queijo fatiado, mas uma baguete de queijo. Déjà vu, parece que estou em Dubai onde ninguém se entende. Tant pis, c'est pas grave, o pão estava gostoso também, quentinho, acompanhando o meu expresso no corredor. Mastiguei-o olhando o frio la fora pela janela: no marcador, 3 graus. Fez-me lembrar que ontem nevou na hora do almoço...

... esta vendo? Isso aqui nunca tem fim: vem uma coisa após a outra. Então paro por aqui, assim, bruscamente.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Sapin de Nöel



Mon cher arbre,

Ne crée pas des illusions : il a toujours été comme ça, il toujours le sera. Lors du moment de la conception, dont ton grain a touché exprès la terre, tu es déjà venu au monde avec un but unique : naître pour mourir.

Mais ne déséspère pas maintenant, séparé de tes racines, lorsque tu attends devant la porte un acheteur. Un enfant viendra e dira au père : "on a besoin de lui!". Et ainsi, ton grand jour viendra: ornementé de brillantes et réfléchissantes boules de verre rouges, tu sera les centre des attentions dans un coin d'un salon. De moins jusqu'à la Nuit de Veille.

C'est ça, mon cher arbre. On dit ici que dans la vie on a besoin d'avoir un but clair, écrit sur les murs pour que durant les folies dispersantes de la vie quotidienne, nous ne l'oublions pas. Et ta vie a déjà un : donner de la joie aux gens que t'achète. Comme une laitue, qui est née pour être mangée. Et plus que ça : garantir le solde à qui te planta, à qui te coupa, à qui te transporta, à qui te vendit.

C'est ça: tu as déjà un but dans la vie. Il y a des gens qui passent tout leur vie en le cherchant et meurent sans le trouver. Mais ne crée pas des illusions : tu es né pour mourir. Quelques jours après le grand jour, alors fragile et deshydraté, tu laissera tomber par terre les premières feuilles sèches; tu sera lancé à la rue dans ta bière, à l'attente de la Proprété Urbane. Et encore une fois, tu aura de quoi à être fier : tu garantira la fonction de celui qui vont recueillir tes restes, ceux dont le but de leurs vies n'est que celui-là.

Pour le moment, respire à fond et souris aux possibles acheteurs. Ton grand jour viendra et passera. Inexorablement.

Pinheiro de Natal

Minha cara árvore,

Não crie ilusões: sempre foi assim, sempre será. Desde o momento da concepção, em que sua semente intencionalmente atingiu a terra, já veio ao mundo com um único objetivo: nascer para morrer.

Mas não se apavore agora, separada de suas raízes, enquanto aguarda enfileirada em frente à porta um comprador. Uma criança virá e dirá ao pai: "a gente precisa dela!". E assim, seu grande dia virá: enfeitada de reluzentes e espelhadas bolas de vidro vermelhas, será o centro das atenções em um canto de sala. Ao menos até a Noite de Véspera.

É isso, minha cara árvore. Dizem por aqui que a vida precisa ter um objetivo claro, escrito nas paredes para que nas loucuras dispersantes do quotidiano, não o esqueçamos. E a sua vida tem um: dar alegria às pessoas que a compram. Como um alface, que nasce para ser comido. E não só: garantir o sustento de quem a plantou, de quem a cortou, de quem a transportou, de quem a vendeu.

E isso: você já tem um objetivo na vida. Há pessoas passam a vida toda procurando um, e morrem sem saber. Mas não crie ilusões: você nasceu para morrer. Dias após o grande dia, quando frágil e desidratada, deixará tombar ao solo as primeiras folhas secas, será lançada à rua em seu ataúde, à espera da Limpeza Urbana. E ainda neste momento, terá de que se orgulhar: garantirá a função daqueles que recolhem seus restos, estes cujo objetivo de suas vidas é justamente este.

Por ora, respire fundo e sorria aos possíveis compradores. Seu grande dia virá e passará. Inexoravelmente.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Sirenes e a paranóia

Quarta-feira, meio-dia: as sirenes começam a soar. Uma, depois outra, e mais outra. Sirenes sincronizadas. Ataque aéreo? Nuclear? Ataque terrorista? Tsunami no Sena?

Nada disso: as sirenes de alerta são testadas em todo o território francês toda primeira quarta-feira do mês. Muito bem!!!

Mas... e se um ataque ocorrer justo na primeira quarta-feira do mês? Quem vai saber?

"Viver é perigoso", já disse Riobaldo.

domingo, 30 de novembro de 2008

Massagem


Aeroporto de Orly: 2 € para uma massagem cibernética em uma poltrona automática.

Em Dubai isso custava 1 dirham...

Bela conquista



As mais belas conquistas não se fazem jamais totalmente sozinho.


Perguntar não ofende: será que essa propaganda foi publicada também na América 'hispânica'?

Breaking News!

Atenção, Breaking news: Neve. NEVE. Eu disse NEEEEVE em Paris!

É 1:30h da manhã, o caos se instala na cidade, quase um ataque terrorista: uma montanha de neve que cai do céu soterrando os inocentes transeuntes. É preciso um trator da prefeitura para liberar os pobres contribuintes dessa ameaça impura...



...

Ei... mas o que você está rindo?! Que estória é essa de ficar aí pulando na neve?! Parece... parece... índio?! Parece... caipira?! Parece um... um jacu?!



Jacu... Ianomami...



Ei! Mas o que é isso? São 3h da manhã e... bom, eu não estou tão sonolento assim. O que é essa menina de meia-calça vermelha vestida de pintinho no caixa eletrônico?!

Não, não deu para tirar foto. Mas o que é isso?! Esse queixo não é feminino!

QUE HORROR! TERRORISMO! Um homem vestido de meia-calça vermelha, e fantasia de PINTINHO, às 3h da manhã. Já entendi: um PINTO na CHUVA.

Pinto... jacu... caipira... ianomami...

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

O centenário de Lévi-Strauss

Hoje é o centésimo aniversário do belga Claude Lévi-Strauss, homem que, dentre outras coisas, foi um dos primeiros professores da USP.

Lévi-Strauss foi integrante da "missão francesa", grupo de professores que vieram lecionar na Universidade de São Paulo quando de sua fundação. Aqui na França, ele é objeto de documentários na ARTE, exposição no museu Quai de Branly, de reportagens.

Estas experiências em um Brasil da década de 30 levariam o jovem professor a escrever 20 anos mais tarde o livro que o tornaria conhecido(Tristes Trópicos, segundo alguns o melhor livro já escrito sobre antropologia, justamente porque não é um livro de antropologia).

Em 2004, deu uma entrevista à Folha, em que fala do país e das experiências que teve por aqui. Veja aqui uma cronologia de suas vida (adoro essa coisa de internet, de poder colocar um referência a um outro texto).

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Temperatura em Paris na noite passada

Paris, cidade-luz

Paris, um dia de verão, 19h:



Paris, dias atrás, 07:45h:



Alvorada: 08:10 h
Por-do-sol: 17:14 h
Temperatura: entre 0 e 7 graus (ontem nevou)

Cidade-luz... adoro esse adjetivo. Enfim, é preciso um inverno rigoroso para compreender porque os animaisinhos se acasalam durante a Primavera.

Bojolé nuvô!

Uma garrafa acompanhada de amigos e um prato de "charcuterie et fromage":

19 €

(atenção! Cada um paga uma!)



Preço médio de uma garrafa no Carrefour:

3 €

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Para os turistas desavisados...

Não é so no Brasil que uma coisa custa mais do que ela vale em função da distância...

Le beaujolais nouveau est arrivé !!!

Acabei de comprar uma garrafa no Nicolas.

Comparando com um comentario anterior, sobre a chegada no "Mistral":

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Graficos

Eu sei, eu sei... Era para ser um blog a quatro mãos (mãos! eu consigo escrever os acentos com o AZERTY... leva tempo !), mas o Luis acaba fazendo o trabalho todo quase que sozinho...

Pra retomar minha participação, eu vou começar uma nova seção no blog compartilhando uma paixão que eu tenho desde pequeno (quando fazia isso pra me divertir com meu irmão): humor com graficos !

Recentemente descobri que não sou o unico. Então, para os anglofonos, recomendo: http://graphjam.com/

E aqui vai o meu primeiro:

Expectativa



Propaganda do Beaujolais Nouveau em Nanterre.

No trabalho, pululam e-mails como esse:


Banane ? Fruit des bois?

quel gout aura le beaujolais cette année?

rdv jeudi au petit vendome

c'est a coté du kitty o shea, rue des capucines


Bom, é isso. Depois comento os preços.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

A chegada do Beaujolais nouveau

Reserve a quinta feira da proxima semana para uma saida pelos bares e restaurantes de Paris: é dia de "festa tradicional", quando todos saem pelos bares para comemorar a chegada ao mercado da safra anual de Beaujolais nouveau. Toda 3a quinta-feira de novembro é assim.

Beaujolais nouveau não é qualquer vinho, o que não significa necessariamente que seja bom: é um vinho "jovem e frutado", o que pode decepcionar o paladar mais exigente que não abre mão de seu Côte du Rhone. Mas é tradição, e tem que ser bebido assim, entre amigos, aguardando a meia-noite, virar o primeiro gole com cara de quem entende e depois soltar o seu comentario de connaisseur (atenção para os trejeitos obrigatorios: pestana levantada, olhos semi-fechados mirando o infinito) - Uéééooo... esse aqui tem um sabor irreverente, peralta, que pica um pouco, deixando um suave buquê de framboesa na boca... - agora tombando a cabeça para frente, dando um toquinho com o cotovelo no amigo ao lado com um riso maroto, você conclui - ...um autêntico Beaujolais nouveau, oh, oh, oh!

E depois volta pra casa fazendo "S"s com a Vélib.

*-*-*-*-*
Os acentos? Fica pra depois. Não da pra fazer milagres em um AZERTY.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Alma-Marceau: a viagem de Maura

E a moça sorri do outro lado do vidro, estendendo duas folhas ao rapaz que as toma e segue para uma das cadeiras da sala.

- Por favor, senhor, preencha estes formulários e retorne sem pegar fila.

À espera, uma senhora ao lado corta a frente dos demais.

- Por favor, para renovar o passaporte o que é necessário? Eu tenho uma viagem marcada...
- Quando você viaja?
- Hoje. Eu estava no aeroporto e fui barrada. Meu passaporte está vencido.
- Mas olha, você precisa fazer um pedido de renovação. E isso leva alguns dias...
- Mesmo em caso de morte?

Morte. Palavra forte. Na sala todos que a ouviram pararam de conversar. Silêncio. A atendente pede licença ao rapaz que atendia - attendez un peu, s'il vous plaît - e dirige-se ao outro guichê, vazio, onde a senhora se senta.

- Neste caso, podemos emitir-lhe uma autorização, e a senhora viaja hoje mesmo, tá?
- Tá.
- Aguarde um pouquinho que já volto.

Ela vai até o armário e volta com dois formulários.

- Agora é só preencher, colar uma foto que você pode tirar naquela máquina ali e voltar aqui com uma cópia de documento seu, sem pegar fila.

O rapaz volta ao guichê e entrega os formulários preenchidos.

- Ótimo. Aguarde apenas que já te dou o seu recibo.

Recuando um pouco, apóia-se no balcão e relaxa o corpo, ao lado de uma senhora que segura duas folhas brancas.

- Moço... você pode me ajudar?
- Sim, claro.
- É para preencher os formulários.
- Sim, - diz ele examinando as duas folhas - mas não há muito o que fazer. São apenas informações pessoais... aqui é o nome, aqui a data de aniv...

A senhora se aproxima mais um pouco, voz baixa, face rubra:

- Eu não sei ler.

Ele entendeu agora o seu desconforto e sentiu vergonha também: tivera talvez as oportunidades que ela não teve; talvez uma destas questões de tempo e local de nascimento que não se escolhe. Mesmo assim, ela seguira seu caminho e estava ali, tal como ele.

- Faz tempo que a senhora está aqui?
- Muito tempo, muito tempo...

Folha branca sobre o balcão.

- Nome?
- Maura Célia de Jesus Bastos. Olha - na mão um registro de identidade - aqui estão minhas informações.
- Marcelo Bastos... esse é seu nome do seu pai, correto? Bom... é... por favor, minha senhora... não chore... - ele vai até seus pertences e volta com lencinhos de papel - para a senhora.
- Obrigado.
- Dulcinéia de Jesus Bastos. Sua mãe, né?
- Sim.
- Nome do marido?
- Ah, eu não sou casada.
- Profissão?
- Dona-de-casa.

Curioso: se ela não é casada, como pode ser dona-de-casa?

- Menagère, né?
- Isso. Dona-de-casa. Menagère...
- Está aqui. Agora só falta a senhora assinar.

Ela toma a caneta, acerta o óculos, papel sobre o balcão. Mão direita espalmada sobre a folha enquanto a esquerda esconde os traços azuis que agora aparecem do outro lado: "Maura Célia de Jesus Bastos".

- Bom, aqui está a outra cópia, é só assinar também. Boa viagem para a senhora, e... bom... não há muito o que dizer, mas... bom... mantenha a calma e faça boa viagem...
- Muito obrigado, muito obrigado! - abraço forte.

- Senhor, o seu comprovante - a moça sorridente no guichê.
- Muito obrigado.

Já na rua, notou que a camisa ficara marcada com um traço úmido, que alguns minutos depois, secou.

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

La boîte à sourires / A caixa de sorrisos

10h07.->. Salut ! T'as retrouvé ton sourire ?
10h32.<-. Oui. J'en ai acheté une boîte à l'Auchan. ;-)
10h47.->. Pardon, tu parles de quoi? Cette boîte n'a rien avoir avec les derniers messages.
11h10.<-. Une boîte à sourires ! :-)
11h11.<-. Tu en veux 1 ? Il y a encore 11 à la boîte. Et de plus, celle n'est pas chère. Ça fait du bien.
11h12.->. Et t'as déjà utilisé 1 depuis Samedi ??
11h20.<-. Oui.
11h37.->. C'est intéressant mais cette franchise sonne un peu négative à ma maison. Je ne partage pas les choses.
12h50.<-. Franchise ? Partage ? ??? Alors, parlons en Anglais qu'on ne se comprend pas en Français.
16h40.->. We'll speak about that later.
17h00.<-. Ok.
20h17.->. My understand of our SMS conversation. I understood you spoke about condom box. So I asked you: have you used 1 of them since Saturday? You answered: yes. Meaning that you slept with another girl than me. so I said: we don't play the same game and I don't hold these rules.
20h35.<-. Une boîte à sourires ne contient que des sourires...
20h40.->. So I'm very stupid, without a sort of poetry mind, very "terre à terre". And now I'm embarassed. And you can laugh of me :-S.

-*-*-*-*-

10h07.->. Oi ! Você reencontrou seu sorriso?
10h32.<-. Sim. Comprei uma caixa deles no Auchan. ;-)
10h47.->. Perdão, você fala de que? Esta caixa não tem nada a ver com as últimas mensagens.
11h10.<-. Uma caixa de sorrisos! :-)
11h11.<-. Quer um? Ainda há 11 na caixa. E além disso, não é cara. E faz bem.
11h12.->. E voce ja a utilizou desde sabado??
11h20.<-. Sim.
11h37.->. Interessante mas esta franqueza soa negativa aqui em casa. Eu não divido as coisas.
12h50.<-. Franqueza ? Dividir ? ??? Então, falemos em inglês que em francês a gente não se entende.
16h40.->. Conversamos mais tarde.
17h00.<-. Ok.
20h17.->. Meu entendimento de nossa conversa SMS. Eu entendi que você falava de uma caixa de preservativos. Então perguntei: ja usou algum desde sabado? Voce respondeu: sim. Significando que você dormiu com outra além de mim. . Então eu disse: nos nao jogamos o mesmo jogo e eu não concordo com essas regras.
20h35.<-. Uma caixa de sorrisos contém apenas sorrisos...
20h40.->. Então eu sou muito estupida, sem um tipo de mente poética, muito "pé no chão". E agora estou constrangida. E você pode rir de mim :-S.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Eles falam tchuquinôuders

A CHEGADA DE DEUTÉRIO

Eleutério recebe a visita de Deutério, que vem de férias de um país distante para um período de uma semana.

- Como foi de viagem?
- Foi ótimo, aproveitei minhas milhas e vim em classe executiva.

Após deixar as malas no apartamento, decidem sair para jantar. Deutério delicia-se com os pratos da culinária local e um momento de crise muito importante, filosofa sobre nobres frivolidades:

- Sabe, eu simplesmente não sei o que estou fazendo lá naquela merda de lugar. Aqui em Frutchinander é muito melhor. Você realmente está bem aqui.
- Sim.
- Se não fosse pelo dinheiro... ao menos meu trabalho paga meus prazeres. Como este, de estar aqui.
- Este é um motivo para um brinde!

E assim brindam sorvendo assim mais um copo de vichinitchers, a bebida local.

O BAR DA RUA OBROTCHUCAMP

Ao sair do restaurante, Eleutério tem uma idéia:

- Vou te levar para um bar legal. Fica na rua Obrotchucamp. A rua Obrotchucamp é muito legal. A rua Obrotchucamp tem os melhores bares da cidade. A rua Obrotchucamp há mulheres nuas correndo pela rua. A rua Obrotchucamp é o que há.
- Tudo bem, se você diz que é bom, eu acredito. Vamos a rua Obrotchucamp.

Tomaram o trem metropolitano e seguiram assim para a tão bem conceituada rua. Lá chegando, logo encontram um bar interessante, com várias pessoas à frente.

- Quanto é a entrada?
- É gratuita.
- Oooh...

O bar é o Tchugunaidernal. Chão de cimento, esculturas e pinturas na parede. Esculturas? Uma carcaça de automóvel pintada de cores reluzentes pindurada na parede. No piso inferior, a banda internacional do dia de rapazes de cabelo cor-de-fogo tocam instrumentos que chamam de "fôuqui". Rapazes estranhos, som interessante. Esse é o Tchugunaidernal. Por Eleutério e Deutério sentem falta de alguma coisa: bebida. Embora não sejam mais adolescentes, ainda não deixaram o vício dos narcóticos aceitos pelas sociedades ocidentais e seguem para o balcão.

Lá chegando observam uma garota. Não é uma garota bonita pelos padrões de estética, mas tem sua graça: é uma garota com feições típicas de Frutchinander. E o mais importante: notou a sua presença. Mas ela está acompanhada de um rapaz barbudo, Junai, que embora não a toque, transmite todo um ar protetor, seja de namorado ou de irmão mais velho, embora a cor de seus cabelos exclua a última possibilidade:

- Tchugulou! (Oi!)
- Ei! Tchugulou! (Ei! Oi!)
- Tchu tchu tcheg tchuquinôuders ? (vocês falam tchuquinôuders?)
- Pri! (Sim!) - adiantou-se Valquíria (chamemo-la de Val). Junai contentou-se a dizer sim com a cabeça, não passando muita credibilidade.
- Ei! Tchandebaners! (muito bom!)
- Tchu tchu tchanáuers sam kim? (E o que vocês fazem aqui?) - rebate Val.
- (...) - Deutério desembesta a falar.

É notório o tom solene com que Valquíria falava: ela arrumava o cabelo, endireitava a coluna e abria mais os olhos levantando as sobrancelhas, apertando os lábios. Não é todo dia que se fala tchuquinôuders!

E no mais, estão todos encantados com os dois estrangeiros. Eles falam tchuquinôuders, que por si só, já é sinal de respeito e cultura. E ainda falam bem o seu idioma! Como é possível?!

E esse interesse empolga Deutério, que fala e cativa a platéia - de homens - que alimenta suas descrições do misterioso e distante lugar onde vive. Eles o consideram um rapaz corajoso, o que o motiva a falar mais. Mas esta não é a opinião de Val, que agora sente-se deslocada da conversa.

Bem verdade é que Deutério cometeu um erro crasso; desrespeitara a regra clara da sedução: saber ouvir. Que se desdobra em outras atitudes: alimentar a conversa alheia com mais perguntas, e por fim, falar pouco sobre si. Eleutério vê aí uma oportunidade:

- Seus olhos são lindos... de que cores são?
- Depende do dia (risos)... tchu tchu cantritchu? (qual o seu país?)

Eleutério não entende por que, mesmo falando frutchinanderlen, ela insiste falar em
tchuquinôuders.

- Brantchelanders.
- Ah bom?! Brantchelanders?!

Os bonitos olhos de Val brilham: ela nunca tinha visto um homem de Brantchelanders. Mas todos dizem que os homens de Brantchelanders são bonitos. Os homens de Brantchelanders são fogosos. Os homens de Brantchelanders traem suas mulheres. Os homens de Brantchelanders... aaaamiga... eles são de-mais.

- Vamos lá fora?
- E por que não?

No caminho as mãos se tocam. As pontas dos dedos percorreram os braços até encontrarem um pouso seguro em seu pescoço. Ausência de resistência que lhe enchia de coragem. A porta se abre, ela faz que vai para um lado, vai para o outro. Eleutério a segue e por fim toma as rédeas da situação por completo. Agora ele é todo certeza e nada mais impede o desenlace da situação que ela iniciara, mas que ele dirige com maestria. A mão do pescoço escorre pelo outro lado até que o braço a puxa de um só golpe contra seu corpo contra a parede.

Golpes de calor. Línguas que se tocam selvagemente. Ela perde as estribeiras ao realizar um sonho quase erótico: beijar um homem de Brantchelanders. Sem pensar, desceu a mão para as nádegas de Eleutério que não lhe oferece resistência.

Por fim, em uma pausa para respirar, Val tira os cabelos do rosto de Eleutério e confessa:

- Você corresponde exatamente às minhas fantasias sobre os Homens de Brantchelanders?
- Aé? Como assim?

Não ouve tempo para responder. Uma loira atravessa a rua gritando e aproxima-se do casal:

- Hoje é um dia muito importante para mim, é meu aniversário de 30 anos. E vocês são O CASAL DA NOITE! - e cochicha no ouvido de Val - eu vi você passando a mão na bunda dele...

- Se você quiser não há problemas - completa Eleutério, já puxando a mão da garota para suas nádegas. Ela fica sem graça, e volta para o Bar DoOutroLadoDaRua.

FIM DE NOITE

Eis que as horas passam e a noite chega ao fim. Val procura em vão seus amigos naquela fria noite: eles a deixaram só. Ciúmes? Pelo sim, pelo não, terminaram por dar uma força para as intenções veladas de Eleutério.

- Se você quiser... bom... meu amigo já está em casa... a gente pode dormir juntos, mas já adianto que não pode acontecer nada. Meu amigo está por lá...
- Hmm... está bem.

Acordo feito, buscam Deutério que atravessou a rua. Lá está ele no Bar DoOutroLadodaRua.

- Vamos embora?
- Sim!

Eis que na saída, que surpresa.

- EEEEi... o casal da noite! - sim, a mesma garota se aproxima. E como ela é atraente. De cara pergunta:

- E vocês de onde são?
- Brantchelanders...
- Brantchelanders? - e não é que ela desanda a falar brantchelanderlen? Não sem um forte sotaque, que deixa claro que esta não é sua língua materna.
- Como assim?
- Sou filha de Prutchinoudilainers, e lá também falamos uma variação de brantchelanderlen.

Foi paixão a primeira vista: Eleutério, ainda abraçado com Val, não sabia o que fazer, até ter uma idéia: puxando Val discretamente para o outro lado, lança o telefone na mão de Deutério e faz um sinal com a cabeça.

Mas que tristeza! Deutério não entende seu gesto? Deutério está realmente destreinado com as artes da dissimulação. Eleutério beira o desespero: agora os dois - Eleutério e Val lhes olham simultaneamente, e não há nada que ele possa dizer em tchuquinôuders que Val não entenderia. Por fim, desiste do caviar e tenta - não sem contragosto - aceitar a comida que tem no prato: chuchu.

- Vamos para casa.

A CASA DE ELEUTÉRIO

Eleutério explica a Val.

- Olha... você vê que o apartamento é pequeno. Deutério dorme no chão, eu e você na cama. Está aqui uma camisa para você dormir com mais conforto.
- Ok.
- Eu ronco - completa Deutério.

E assim, apagam-se as luzes: Eleutério de pijama, Deutério de saco-de-dormir e Valquíria de camisa e calça jeans. Ao menos até o meio da noite...

O DIA SEGUINTE

Eleutério levanta cedo com Valquíria trocando de roupa.

- Escuta, não quer tomar um café?
- Não, eu como em casa.
- Então está bem.

Acompanha a garota até a porta. Na saída, ela aperta a campainha do vizinho pensando que é a luz. E mais uma vez o rapaz abre a porta para ver o vizinho sem graça esperando o elevador. Ao descer, cumprimenta o porteiro que faz festa - esse é o cara de Brantchelanders!

Na volta encontra Deutério de pé.

- E aí, dormiu bem?
- Sim. Quer dizer, até eu começar a ouvir uns barulhos...
- Eu trouxe pão e aqui tem café.

NO FIM DA TARDE

Valquíria chega ao bar, aquele de frente para o cais, onde já estão todos os seus amigos. Virília, ao vê-la, sorri com comichões:

- E então?
- É ...

Junai, entre uma bebericada e outra, consola-se com Miraí. Ambos com olhar distante, mirando a outra margem do rio:

- É.
- Pois é.
- (...)
- (...)

Junai aperta os lábios com um brilho de estranho contentamento no olhar. Contentamento de descoberta de coisas novas:

- Eles falam tchuquinôuders.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Silence

des nuits sans vents
des pâturages plats
des forêts éteintes

Matins de dimanche
des petits villages
entourés de montagnes :
petites voiles
endormis dans la bonace

ô, les déserts
rocher
sable
eau

Vieux foyers
des gens sans amis
des gens sans enfants
des gens sans parents
des gens sourdes
que se turent.

des échos
des chambres vides
des chambres vides
des chambres vides
de ceux qui partirent.

Comme il faut,
sans tempête
lourd, peut-être :
Le temps s'arrête.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Entre meninas e mulheres

O basico:

Fille - menina
Femme - mulher (fêmea)

O respeitoso:

Démoiselle - mulher solteira
Dame - mulher casada

A giria:

Nana - menina (na França). Na Bélgica, esse mesmo nome é usado para bebes do sexo feminino.

"Mec, j'suis allé hier soir au Canal Saint Martin... ah putain! il y avait plein de nana, j'ai tapé trois! Niquel!".

O Duplo sentido:

"Ma pétite coquine" - maneira carinhosa de chamar uma menina pequena, bebezinho. Algo como 'Minha menina sapeca'.

"Ma coquine" - coisas que se fala para a mulher no calor da relaçao sexual, ou depois, para os amigos, tomando cerveja, para se vangloriar como o macho mais macho e sortudo e comedor de todos os machos: "Ma copine est une vraie coquine!" (minha mulher é muito safada).

O antiquado:

Gonzesse - mulher. A palavra certa para se dirigir à companheira quando o homem chega em casa do trabalho e a encontra pilotando apaixonadamente o fogao, ou passando suas camisas: "Ma gonzesse!". Pode ser acompanhado de um tapa na curva negativa do traseiro com a mao esquerda, enquanto a direita alisa o bigode.

Gosse - criança (menino ou menina).

Namoro ou amizade:

amie - amiga.
copine - amiga, insinuando algo mais.
pétite copine - quando se quer deixar claro que é namorada.
femme, épouse - denota alianca com fins reprodutivos.

E o rapaz disse na rádio...

... "aproveitem o dia de hoje: é o ultimo dia da semana com temperaturas acima de 20 graus... e talvez do ano". E terminou com uma risadinha cinica.

(Obs: teclado AZERTY não tem todos os acentos).

sábado, 4 de outubro de 2008

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Pensamento do dia

Extraído vagabundamente da wikipedia sobre o Mito de Sísifo, de Camus:

Camus vê em Sísifo o ser que vive a vida ao máximo, odeia a morte e é condenado a uma tarefa sem sentido, como o herói absurdo.
Camus apresenta o mito para trabalhar uma metáfora sobre a vida moderna, como trabalhador em empregos fúteis em fábricas e escritórios. "O operário de hoje trabalha todos os dias em sua vida, faz as mesmas tarefas, esse destino não é menos absurdo. Mas é trágico quando em apenas nos raros momentos ele se torna consciente".


... e amanhã, again, metro, RER, trabalho. TRABALHO. trabalho. Ainda bem que ganhei uma bolinha de espuma, que jogo na cabeça dos meus colegas quando eles menos esperam. Eles revidam, e isso sim vale a pena. E me dá um falso gosto para no dia seguinte fazer tudo igual outra vez.

Dia seguinte, não: amanhã é sexta.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Munique: Oktoberfest

E cinco meninas se aproximam da mesa.

- Ei, podemos nos sentar com vocês?
- Que pergunta...

A centro-avante, olhos verdes, olhar profundo e desafiador, riso maroto, vai além.

- Sabe o que é, somos estudantes... minha grana acabou. Só tenho 2 euros e...

O amigo adianta-se às (más)intenções.

- Estudante? Como nós. Espera um pouco - e tenta apresentá-las para os cavalheiros franceses de trás, sempre prontos às gentilezas. Mas um deles acaba de vomitar sobre a mesa.

No Les Echos da última segunda, uma crônica analisa as qualidades de negociador de Sarkozy. Como contraponto, cita uma frase do Cardeal de Retz:

Erigir-se demasiado como negociador não é sempre a melhor qualidade para a negociação.


Pelo sim pelo não, erija-se o negociador, estilo Sarkozy. Pagar pra ver: moedinhas sobre a mesa. As meninas bebem. Paguei e vi: o garoto alemão ao meu lado, que por falar alemão, já está em vantagem na luta darwiniana (que aqui, em um ambiente tão selvagem, não é muito complexa). A garota se aproxima. Eles se beijam. Beijo de língua.

Hora de foto: stop no beijo e abraço em quem estiver do lado - eu. Abraço generoso, mão na cintura. O alemão aperta o nariz na orelha (dela).

Fim de foto, fim do caneco. A garota se levanta (e isto é muito importante: as mulheres tomam a atitude).

- Vou no banheiro.

Toma o alemão pelo braço. Explica em inglês, olhos nos olhos (meus). Munique em chamas.

- We are going together. Same bathroom.

Vão juntos? Parabéns. Os dois de pé. Beijo de língua. Um aperto aqui. Outro aperto ali. Movimento inesperado: ela (sempre ela) se volta para a mesa e puxa minha mão.

- You come with us. - menina decidida.

Levanto os ombros para o rapaz. Ele me olha. Olhar eloquente: "É rock".

Não é rock. É tradicional: Hei Prosit, Hei Proosit... todos cantam nas mesas ao lado. Eu não. Nem ela. Nem ele. Zigue-zague. Com a mão esquerda ele acaricia a orelha esquerda dela. Com a mão esquerda, ela alterna movimentos de apertar e soltar em minha já suada palma da mão direita. Com a mão esquerda... com a mão esquerda não faço nada: balanço natural de quem caminha.

Herren Pissoir. Chegamos. Tem Herren demais aqui. Alemães, italianos, irlandeses fazem fila desde a entrada sem portas com o falo na mão à espera de uma brecha no mictório. Linha de montagem. Do único recinto privativo, cheiros acres que escorrem pelo chão.

Ela olha um segurança. Idéia - menina criativa.

- Ei! Quero sair lá fora.

Deve ser isso que ela disse. Ele estende um tíquete.

- Eu e eles. - mãos para trás, olhar inocente pra cima, olhar ingênuo para o infinito.

- Não, não. Só você. Os três juntos, não. Se sair não voltam.

Manha de garota: duas mãos puxando o braço do segurança. Mas este faz jus a sua bermudinha de couro e à meia que sobe até o joelho.

- Não.

Voltamos a mesa. Meia hora depois, as amigas decidem que é hora de amiguinha ir embora - amiguinhas decididas.

Bitoquinha em mim, selinho em outro, beijo de língua no alemão. Por fim, nem fomos ao banheiro. Que pena: é sempre confortante fazer xixi entre amigos. Fica para a próxima.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

A despedida de Christophe

Sexta-feira, meio-dia. No meio do caminho do restaurante, lembrança.

- Ei, não é hoje a despedida do Christophe?
- Hmm... é mesmo... então... mas voltar lá...
- Mas o cara avisou...
- Mas o cara é chato...
- Mas fica chato não ir...
- ... está certo, vamos lá falar um oi.

Adentrando a sala, as pessoas ali formavam um círculo silencioso. Elas não respeitaram o Casual Day e vieram todas de terno e gravata, o que nos deixava décontractés para a ocasião.

Silêncio. Christophe serve-nos copos de um espumante vermelho e volta ao seu posto no centro da sala. Silêncio.

Discordo que ele seja chato: sendo consultor de grande empresa, é pago para se comportar assim, calado, e-mails pontiagudos, apenas perguntas e nenhuma abertura sobre si. Mas ali no centro da sala, após um ano de projeto, não escondia o seu desconcerto: oferecia uma festa de despedida, pagava as bebidas, e notoriamente todos que ali estavam o faziam por pura educação.

Silêncio. Seu desconcerto combina bem com a gravata cuja ponta não passa do umbigo. Gravata que lhe conferia melancolia inaudita e inesperada simpatia. Era a prova: aquele ali também não era o seu lugar. Contudo, possuía característica essencial para a continuidade dos negócios: constância. O padeiro que levanta a porta diariamente às 7h; o operador de trem que tira a locomotiva da garagem no horário previsto; o professor que inicia sua aula pontualmente. Christophe com sua gravata acima do umbigo.

Som de espuma. Abre-se mais uma garrafa de champanha. O rapaz se aproxima com 2 garrafas. A cor vermelha se explica:

- Ah, um toque de licor de cassis!
- Kir.
- Mais precisamente, Kir Royal - completa outro.

Kir Royal, benção ao álcool. Estamos em pleno Ramadã, mas isto aqui é França, Estado laico. O torpor torna todos altruístas e assim, em questão de minutos, todos concordam que o silêncio em uma festa de despedidas é no mínimo embaraçoso, e agora todos falam e riem desinibidamente, entre um palito salgado e um amendoim.

- Quanto custa mesmo a licença deste logiciel?
- Quatrocentos mil euros.

Fazia um tempo bonito lá fora, mas com uma brisa fria cortante. O verão já se foi. E após uma semana cinzenta de chuvas, quantas cores! Mas era de comum acordo no recinto que o mais elegante seria falar de coisas importantes:

- Bom... então precisamos fazer valer, e amortizar o custo. Quando entra o primeiro módulo em produção?
- Maio de 2009.

E entre um comentário e outro, risos de empolgação. Menos Christophe, que continuava no canto da sala, sorriso apático; a indiferença sincera.

Puxamos a última batatinha, o último gole de kir royal. Um aperto de mão.

- Bom, depois você passará pelo andar para se despedir, certo?

Christophe limitou-se a sorrir. Foi a última vez que o vi.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Agora chega

Afinal, Paris não é só Torre Eiffel. Há muitas torres na cidade...



... e há sempre uma maneira diferente de olhá-las.




Ou de não as olhar...

Mas eu prefiro...

... quando a ela aparece na foto meio sem querer.



Mas tudo bem se a sua aparição é intencional:

De dia

Você quer foto?!
Você acha que Burj Al Arab "é muito melhor"?!
Você quer mesmo ir pra Dubai?!?!



Ta gueule!

Parisian blues

Os incompreendidos

Não, este não é um post sobre o primeiro filme de Truffaut do ciclo Doinel com Jean-Pierre Léad. É apenas para dizer, em tempo, que essa história de que francês "não gosta" e "é grosseiro" com quem não fala francês é uma dessas lendas urbanas, que pertence a mesma família de generalizações como "argentino é todo filho-da-puta", "todo brasileiro é vagabundo", "toda brasileira é puta", "todo indiano fede" (e como!), e por aí vai.

Eu tenho uma teoria: a grosseria que alguns turistas experimentam em território francês, especialmente em Paris, deve-se mais a uma questão de percepção do tempo de cada um, a um problema linguístico em si.

Explico: franceses, em geral, valorizam MUITO a polidez no trato com desconhecidos. Isso se expressa na forma como se inicia uma conversa. Ela sempre é iniciada com calma, com o tempo de um "Bom dia":

- "Bonjour!".

Só então, é que se pede permissão para perguntar algo:

- "Excusez-moi...".

E na hora de perguntar algo, usa-se sempre o vous com quem não se conhece.

O que um turista não entende é que desrespeitar esse protocolo é tão chocante para um francês como alguém aí no Brasil te abordar na rua usando palavrões, assoando o nariz ou coçando o pinto.

E o turista é mesmo uma "raça porca": (Mal) acostumado com a infantilização da estrutura turística em que tudo tem um preço e todos são seus servos prestes a lhe oferecer um deleite, esquece-se quem mesmo em um lugar turístico, há pessoas normais, que não são trabalham com turismo, e que não têm nenhuma obrigação em saber tudo o que se quer saber.

E o turista "chega chegando" no francês, no tempo cibernético, com a rapidez de um envio de um e-mail, de uma compra de ações na bolsa:

- "Hey, do you know where is..."
- Bonjour...

Bonjouuuur... Essa é a resposta-padrão de um francês quando é abordado de maneira que considera grosseira por um estrangeiro.

Mas não precisa falar francês para ser respeitado: basta seguir o protocolo, em inglês mesmo:

"Good morning!",
"Do you speak English?",
"Could you help me?"...

... tudo isso sem pressa, no tempo de quem toma um expresso contemplando a cidade. E não se espante se ele não responder: nem todo francês fala (bem) inglês. E quem não fala, é complexado com isso. É claro que a quantidade de franceses que falam inglês é proporcionalmente maior que no Brasil, mas não espere lá muita coisa...

"I speak Wall Streat English". Yes!!!

Com vocês, a fixação tardia dos franceses pela língua inglesa...




Mas estas aqui, mais recentes, são as mais cômicas:




Parem de massacrar o inglês!

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Fraternité: Île de la Cité

Um longo veículo preto se aproxima lentamente do semáforo, janelas cobertas por cortinas prateadas. Um antigo Peugeot 206 vermelho é o único que não o ultrapassa.

Sinal vermelho: o veículo preto pára, o rapaz que conduz o Peugeot também. Mãos trêmulas sobre o volante, barba de 2 dias, olhos vermelhos. A espera precipita o choro, choro de soluços, soluço forte que parece sorriso.

Sinal verde. O veículo preto avança, o senhor de olhos vermelhos avança também. Do outro lado da rua, um senhor descansa dentro de outro veículo com a porta aberta, rádio ligado, programação ou propaganda governamental. Quem ouve acompanha mentalmente:

Allons enfants de la patrie
Le jour de gloire est arrivé


Sob a ponte, a água que passa a cada instante jamais é a mesma. Mas o Sena segue em seu leito. Permanente. Imponente. Eternamente.

+++
Une longue bagnole noire s'approche doucement du feu, fenêtres couvertes par des rideaux argentés. Une ancienne Peugeot 206 rouge est l'unique que ne le dépasse.
Feu rouge: le voiture noire s'arrête, le gars que conduit le Peugeot aussi. Des mains tremblants sur le volant, barbe de 2 jours, les yeux rouges. L'atteinte précipite le pleur, pleur de sanglots, sanglot aussi fort qui rappelle un sourire.

Feu vert. La bagnole noire avance, le gars des yeux rouges avance aussi. À l'autre coté de la rue, un autre gars prend son temps dans une autre bagnole, radio allumé, programmation ou publicité étatique. Ceux qui l'écoute, le suivent mentalement :


Allons enfants de la patrie
Le jour de gloire est arrivé


Sou le pont, l'eau qui coule chaque instant n'est jamais la même. Et pourtant, la Seine suit son lit. Permanent. Imposant. Éternellement.

Egalité: métro Reuilly-Diderot

Nas estações anteriores, todos sabem, todos já sabiam: a aglomeração no fundo da estação é para entrar na primeira porta do trem.

Eu sei, você sabe, todos sabem: na estação Reuilly-Diderot, a primeira porta do metro da linha 8 é a mais próxima da escada de acesso à linha 1. Aglomeração, pressão, concentração; a porta se abre: balde de gente vertido na estação.

Eu não corro, você não corre, ninguém corre; inútil tentar se destacar em meio à massa. Barulho de trem: mais à frente, alguns apertam o passo. Aqui no meio do corredor, apenas resignação: o próximo trem vem logo ali.

+++

Dans les stations antérieures, tous savent, tous savaient: agglomération au fond de la station est pour rentrer à la première porte du train.

Je sais, vous savez, tous savent: à la station Reuilly-Diderot, la première porte du métro de la ligne 8 est la plus proche des escalier d'accès à ligne 1. Agglomération, pression, concentration; la porte s'ouvre: un seau de gens tourné sur le quai.

Je ne cours pas, vous ne courez pas, personne ne court; inutile tenter se détacher de la foule. Bruit de train: peu plus avant, quelques uns accélèrent. Ici au milieu du couloir, résignation seulement: le train prochain vient tout de suite.

sábado, 6 de setembro de 2008

Ion Kippur

Eu erro
Tu erras
Ele erra
Ela erra.

Ela erra?

Nós perdoamos
Vós perdoais
Eles perdoam
Elas perdoam.

E a ferida aberta?
Vaso quebrado nunca mais é o mesmo.

Tempo, tempo, tempo...

domingo, 17 de agosto de 2008

Feliz

Faleceu o Feliz, o homem do tempo do SBT. Ele era o tipo de cara que tentava ser criativo em seu trabalho, algo tão limitado como descrever a previsão do tempo. Então vai aqui, em sua homenagem, um link para alguns vídeos de Louise Borgoin, a "moça do tempo" que faz sucesso por aqui, talvez por não ser nada convencional, e que envereda agora para a grande tela:

http://www.youtube.com/results?search_query=louise+bourgoin&search_type=&aq=f

Mas no exterior...

"... os atletas são tratados com respeito pela mídia", foi isso que li em um jornal outro dia no Brasil, em um comentário sobre a tabloidização da cobertura olímpica no Brasil. Mas será que é verdade?

A França esperava muita coisa da nadadora, até então campeã olímpica, Laure Manaudou. Uma menina jovem e livre: cansou do técnico Philippe Lucas, um tosco assumido, apaixonou-se por um italiano e lá foi ela para a Itália, treinar no clube do namorado. Fotos íntimas suas vazam na net, para a alegria da mídia. Por fim, a paixão acabou e ela voltou para a França...

Chegou as Olimpíadas de Pequim: ela não ganhou nenhuma medalha. E foi massacrada pela mídia. O ex-técnico ainda foi "diplomático" e falou algo mais ou menos assim às câmeras: "Bom, vocês viram que ela está realmente na merda. Mas sim, se ela treinar direitinho, pode retornar à boa forma".

E finalmente...


... o tão sonhado ouro olímpico. Agora sim, o tão esperado momento: você, brasileiro, unfanista, já pode colocar na vitrola o hino nacional - Ouviram do Ipiranga às margens plácidas... - aliás, jogo rápido: o que quer dizer "plácidas"? Eu confesso minha ignorância, tive que ir ao dicionário para ver que quer dizer "tranquilas". E "fulguras"? E um "lábaro"? E uma "clava"? E "garrida"? Pode ser útil saber o que se propaga cantando. Ou então, atenha-se à mão no peito e siga com o "lá, lá, lá...", ora, ora, convenhamos não é tão grave assim. Para te confortar, informo que você não ficará menos (ou mais) brasileiro cantando (ou não) o hino. Há coisas que não é preciso dizer: elas simplesmente exalam e enchem todo o espaço ao redor. Mas alguns ainda insistem em usar a camisa da seleção, "só pra lembrar".

Mas como eu ia dizendo - já me perdi - você já pode se trancar no banheiro, hino nacional na vitrola, uma discreta toalha com a bandeira do Brasil enrolada no corpo, e sim, masturbar-se chorando: "somos bons! Vamos dominar o mundo! Somos fodas."

Pois bem, é preciso reconhecer o mérito pessoal do garoto: mais da metade dessa medalha é fruto do seu próprio esforço. Mas essa medalha também é a coroação do trabalho do Comitê Olímpico Brasileiro e de todas as políticas públicas para o esporte no Brasil. Sim! A eles lhes cabe a parte menor da medalha. Graças à (inexistente) política estratégica esportiva no Brasil, o garoto foi treinar nos Estados Unidos, onde encontrou pessoas que souberam moldar a argila, desviar corretamente o leito do rio. E o único ouro do Brasil na competição vem de um garoto que treina nos Estados Unidos...

Mas ainda tem o futebol. Ah, esse sim, ainda promete uma medalha, nem que seja de bronze. Mas isso nem é muito segredo: o Brasil deve ser o país com maior número de times de futebol do mundo, e bem ou mal, a seleção natural faz seu papel. Viva Darwin! Mas a China é muito maior que o Brasil. Se eles pegam o gosto pela coisa... em 10 anos, terá uma seleção imbatível e aí vamos ter que abaixar a bola, e assombrados, bater palmas para os dribles de Xung Li.

Caro leitor. A essa altura você já deve ter gozado. Está bem: gozar, no Brasil, é vulgar. Em Portugal, não. Então considere utilizar o termo técnico: ejacular. Limpe direitinho, uma urinadinha depois para limpar o canal. Enxugue as lágrimas (se você ejaculou chorando, é porque foi bom mesmo, não é?). É preciso que a gente não se esqueça que esse ouro é fruto das políticas públicas brasileiras, porque elas têm um custo para a sociedade. Um custo em vidas: muitas pesssoas morreram nas favelas do Rio nas semanas que antecederam ao evento graças à temporária política de 'pacificação' das forças de segurança. Já dizia Sun Tzu: "o objetivo da guerra é a paz".

Mas já que a vida no Brasil não vale nada, lembremos ao menos que essas políticas também têm um custo financeiro, e em um país com tantas outras prioridades, não cai bem que o investimento já feito em áreas não prioritárias seja destruído. Isso me faz lembrar as palavras do prefeito do Rio de Janeiro: os jogos Pan-Americanos não haviam nem bem terminado e ele já falava em "transformar" os complexos esportivos, velódromo, que custaram uma boa grana, em "casas de espetáculo". E aquela idéia de trazer os Jogos Olímpicos para o Brasil? Não tem problema: depois a gente gasta tudo de novo.

É nessas horas que me vem um pensamento: o Brasil é míope. É refém de eleições em um ciclo de 4 anos. Plano de longo prazo não existe e é preciso proteger a Amazônia em quatro anos, erradicar a pobreza e a miséria em 4 anos, educar um povo analfabeto em 4 anos. Ainda está melhor do que as empresas de capital aberto: estas são reféns de resultados trimestrais na nova ordem das bolsas de valores online.

E o que? Não, eu não tenho a solução pra coisa alguma. Nem para o Brasil nem para as empresas. O meu prazer é o pus que jorra de sua unha inflamada. Monarquia no Brasil? Estou fora. E nem vem com esse papo: sou ex-sheik, exilado político. O que eu quero agora é aprender a tocar pandeiro e violão e curtir minha tristeza no desterro e, quem sabe, ganhar dinheiro com isso (no futuro, escrevo um livro sobre meu penar, lasco um processo sobre o governo e vou viver de aposentadoria nas costas de seus filhos e netos, lá em Porto Seguro. Com sorte, esses otários ainda me glorificam). Governar um país como o Brasil? Dá um tempo, eu quero sombra e água fresca.

sábado, 16 de agosto de 2008

O dia dos pais


Seria um fim-de-tarde qualquer em uma rua qualquer, não fosse aquele corpo caído na sarjeta. Da boca seca escorria um marca de vômito que marcava o casaco azul, a calça cinza e o sapato preto sem meias.

Boca aberta no meio-fio denota gravidade, e logo vieram os bombeiros com suas sirenes de urgência. Ele não está morto e se recusa a se deitar na maca. Ele rodopia, ele ri, ele chora. Ele evita os primeiros socorros e começa o seu discurso etílico: línguas de fogo. Os rapazes do bar se aproximam. Uns fumam, outros ainda bebem.

Bêbado só dá vexame. Bêbado é um estorvo. Perdão pelo vocabulário, mas bêbado é foda. O bêbado na sarjeta é o alívio daquele que não bebeu tanto assim, e por isso, se dá o direito a mais um copo. Para os bombeiros, o bêbado é apenas uma ocorrência, um procedimento a seguir: medir pressão, freqüência cardíaca, aplicar soro e glicose, seguir para o hospital, mais um relatório a preencher. O bêbado revida e nas idas e vindas, um sapato já saiu de seu pé. Ele acha que está perto da Bastilha, ele diz que mora em Rive Gauche. Ele diz que está bem mas cambaleia para um lado e para o outro, e solta o peso do corpo sobre o bombeiro. O bêbado é um palhaço, e ele sabe disso. Ao seu entorno, uma roda se forma de gente que se entretém com a humilhação alheia e se esquece do tempo que passa igual em todo final-de-tarde.

Na subida da rua ao lado, uma garota aponta de bicicleta. Na cestinha está sua bolsa de pano vermelho que combina com sua blusa de lã, aberta, de botões. Ela tem cabelos lisos e olhos pretos como as sandálias bailarinas que usa sem meias. Seu vestido florido bege sobe suavemente a cada pedalada deixando à mostra bom naco de suas rosadas pernas devidamente depiladas. Ela seguiria seu caminho, mas um pequeno detalhe na aglomeração lhe chamou a atenção:

- PAPA!

O rapaz que bebia volta ao bar, o senhor que fuma apaga o cigarro, o transeunte segue seu trajeto. A senhora que ria com a baguete na mão vira de lado ajeitando os cachos do cabelo. A roda se dispersa.

Pai é herói. Pai dá exemplo. Perdão pelo vocabulário, mas pai tem que ser sempre o fodão. O senhor da sarjeta diz que está bem em voz sóbria e põe-se de pé. Mas tomba logo para o lado direito, esbarrando no bombeiro.

- De novo, papa! De novo...

Pai protege. "Não chora, ...". O lema da República: "liberdade, igualdade e fraternidade". Fraternidade... o bom moço de óculos que carregava arquivos verdes empurra a bicicleta. O senhor que fumava traz o sapato esquecido na sarjeta, o rapaz forte equilibra o senhor de casaco azul que consola a menina, e juntos seguem rua abaixo.

- Pourquoi, papa? Porquoi...

O burburinho desceu a rua, o bombeiro foi embora de sirene desligada. No primeiro vento, folhas secas cobriram o vômito no chão. E os transeuntes que agora passam apenas passam. No bar ouviu-se o sentimental dizer que os semáforos se alternavam melancólicos. O moralista, pelo contrário: "bem feito!". Mas a verdade, se isso existe, é que o semáforo é uma máquina e se alterna ainda hoje igual, tal qual como antes.

Titre de séjour: todo caso é um caso de polícia

Caro Diego,

Veja como são as coisas, eu não acredito nesse papo de deus com d maiúsculo, esse cara que amedronta todo mundo que não participa da gincana terrena da vida eterna. Mas o ditado popular me convence: "Deus escreve certo por linhas tortas". E você havia dito: "vá à Préfecture de Police de Paris". E quando vejo, lá estou eu diante de tal instituição. Seria você Deus? Um enviado secreto do divino? Bom, essas divagações não vêm ao caso, meu caro profeta, atenho-me aos fatos, antes que o Castigo se abata sobre mim e alongue a minha espera pela carte de séjour:

1) Por conta da manhã perdida na espera de visto, a empresa me descontou meia-jornada RTT. Ligo lá e eles me dizem: "Je suis désolé". Meus companheiros do trabalho dizem revoltados: "Il faut ne pas se laisser faire". Ah, a política. Sentimentos pusilânimes. Para me alegrar, comprei uma gravata. Esqueci de pegar o troco. Eu sou realmente um otário;

2) Enviei um e-mail para a Préfecture de Police de Paris explicando meu caso. Três dias depois recebi um envelope com instruções para entrar com o pedido de primeiro "titre de séjour" na Préfecture de Police. O procedimento é simples: você envia: cópia do passaporte, do visto, certidão de nascimento traduzida, 2 fotos branco-e-preto 3,5 cm x 4,5 cm, comprovante de residência e pronto. Depois de 2 meses você vai buscar lá no 4o. arrondissement;

3) Opa!! Mas meu visto vence em um mês, e o "titre de séjour", só chega em 2 meses. Vou ficar ilegal! Resolvi ir lá na Préfecture de Police para tentar obter ao menos um récépissé. Tive a seguinte conversa :

- Oi, sou estrangeiro, já entrei com o pedido de primeiro "titre de séjour" via postal. O processo leva dois meses, mas meu visto vence em um mês. O que devo fazer?

- Senhor, seu visto vai expirar, mas não há problema. É só esperar.

Em outras palavras, a funcionária pública me disse que "não há problema em ficar ilegal". Às vezes, é preciso fazer as perguntas corretas:

- É possível emitir um récépissé enquanto aguardo o documento?

- Sim. Você tem que ir em outro prédio, no 14o. arrondissement, munido desses documentos aqui que eles te fazem um récépissé na hora. Mas hoje, a essa hora, já deve estar fechado.

Próxima parada: Hotel de Police 114/116 avenue du Marne Paris 14ème, Métro Gaîté. Vamos ver se, dessa vez, obtenho o tal do récépissé. O expediente também começa às 9h da manhã...