quinta-feira, 25 de setembro de 2008

A despedida de Christophe

Sexta-feira, meio-dia. No meio do caminho do restaurante, lembrança.

- Ei, não é hoje a despedida do Christophe?
- Hmm... é mesmo... então... mas voltar lá...
- Mas o cara avisou...
- Mas o cara é chato...
- Mas fica chato não ir...
- ... está certo, vamos lá falar um oi.

Adentrando a sala, as pessoas ali formavam um círculo silencioso. Elas não respeitaram o Casual Day e vieram todas de terno e gravata, o que nos deixava décontractés para a ocasião.

Silêncio. Christophe serve-nos copos de um espumante vermelho e volta ao seu posto no centro da sala. Silêncio.

Discordo que ele seja chato: sendo consultor de grande empresa, é pago para se comportar assim, calado, e-mails pontiagudos, apenas perguntas e nenhuma abertura sobre si. Mas ali no centro da sala, após um ano de projeto, não escondia o seu desconcerto: oferecia uma festa de despedida, pagava as bebidas, e notoriamente todos que ali estavam o faziam por pura educação.

Silêncio. Seu desconcerto combina bem com a gravata cuja ponta não passa do umbigo. Gravata que lhe conferia melancolia inaudita e inesperada simpatia. Era a prova: aquele ali também não era o seu lugar. Contudo, possuía característica essencial para a continuidade dos negócios: constância. O padeiro que levanta a porta diariamente às 7h; o operador de trem que tira a locomotiva da garagem no horário previsto; o professor que inicia sua aula pontualmente. Christophe com sua gravata acima do umbigo.

Som de espuma. Abre-se mais uma garrafa de champanha. O rapaz se aproxima com 2 garrafas. A cor vermelha se explica:

- Ah, um toque de licor de cassis!
- Kir.
- Mais precisamente, Kir Royal - completa outro.

Kir Royal, benção ao álcool. Estamos em pleno Ramadã, mas isto aqui é França, Estado laico. O torpor torna todos altruístas e assim, em questão de minutos, todos concordam que o silêncio em uma festa de despedidas é no mínimo embaraçoso, e agora todos falam e riem desinibidamente, entre um palito salgado e um amendoim.

- Quanto custa mesmo a licença deste logiciel?
- Quatrocentos mil euros.

Fazia um tempo bonito lá fora, mas com uma brisa fria cortante. O verão já se foi. E após uma semana cinzenta de chuvas, quantas cores! Mas era de comum acordo no recinto que o mais elegante seria falar de coisas importantes:

- Bom... então precisamos fazer valer, e amortizar o custo. Quando entra o primeiro módulo em produção?
- Maio de 2009.

E entre um comentário e outro, risos de empolgação. Menos Christophe, que continuava no canto da sala, sorriso apático; a indiferença sincera.

Puxamos a última batatinha, o último gole de kir royal. Um aperto de mão.

- Bom, depois você passará pelo andar para se despedir, certo?

Christophe limitou-se a sorrir. Foi a última vez que o vi.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Agora chega

Afinal, Paris não é só Torre Eiffel. Há muitas torres na cidade...



... e há sempre uma maneira diferente de olhá-las.




Ou de não as olhar...

Mas eu prefiro...

... quando a ela aparece na foto meio sem querer.



Mas tudo bem se a sua aparição é intencional:

De dia

Você quer foto?!
Você acha que Burj Al Arab "é muito melhor"?!
Você quer mesmo ir pra Dubai?!?!



Ta gueule!

Parisian blues

Os incompreendidos

Não, este não é um post sobre o primeiro filme de Truffaut do ciclo Doinel com Jean-Pierre Léad. É apenas para dizer, em tempo, que essa história de que francês "não gosta" e "é grosseiro" com quem não fala francês é uma dessas lendas urbanas, que pertence a mesma família de generalizações como "argentino é todo filho-da-puta", "todo brasileiro é vagabundo", "toda brasileira é puta", "todo indiano fede" (e como!), e por aí vai.

Eu tenho uma teoria: a grosseria que alguns turistas experimentam em território francês, especialmente em Paris, deve-se mais a uma questão de percepção do tempo de cada um, a um problema linguístico em si.

Explico: franceses, em geral, valorizam MUITO a polidez no trato com desconhecidos. Isso se expressa na forma como se inicia uma conversa. Ela sempre é iniciada com calma, com o tempo de um "Bom dia":

- "Bonjour!".

Só então, é que se pede permissão para perguntar algo:

- "Excusez-moi...".

E na hora de perguntar algo, usa-se sempre o vous com quem não se conhece.

O que um turista não entende é que desrespeitar esse protocolo é tão chocante para um francês como alguém aí no Brasil te abordar na rua usando palavrões, assoando o nariz ou coçando o pinto.

E o turista é mesmo uma "raça porca": (Mal) acostumado com a infantilização da estrutura turística em que tudo tem um preço e todos são seus servos prestes a lhe oferecer um deleite, esquece-se quem mesmo em um lugar turístico, há pessoas normais, que não são trabalham com turismo, e que não têm nenhuma obrigação em saber tudo o que se quer saber.

E o turista "chega chegando" no francês, no tempo cibernético, com a rapidez de um envio de um e-mail, de uma compra de ações na bolsa:

- "Hey, do you know where is..."
- Bonjour...

Bonjouuuur... Essa é a resposta-padrão de um francês quando é abordado de maneira que considera grosseira por um estrangeiro.

Mas não precisa falar francês para ser respeitado: basta seguir o protocolo, em inglês mesmo:

"Good morning!",
"Do you speak English?",
"Could you help me?"...

... tudo isso sem pressa, no tempo de quem toma um expresso contemplando a cidade. E não se espante se ele não responder: nem todo francês fala (bem) inglês. E quem não fala, é complexado com isso. É claro que a quantidade de franceses que falam inglês é proporcionalmente maior que no Brasil, mas não espere lá muita coisa...

"I speak Wall Streat English". Yes!!!

Com vocês, a fixação tardia dos franceses pela língua inglesa...




Mas estas aqui, mais recentes, são as mais cômicas:




Parem de massacrar o inglês!

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Fraternité: Île de la Cité

Um longo veículo preto se aproxima lentamente do semáforo, janelas cobertas por cortinas prateadas. Um antigo Peugeot 206 vermelho é o único que não o ultrapassa.

Sinal vermelho: o veículo preto pára, o rapaz que conduz o Peugeot também. Mãos trêmulas sobre o volante, barba de 2 dias, olhos vermelhos. A espera precipita o choro, choro de soluços, soluço forte que parece sorriso.

Sinal verde. O veículo preto avança, o senhor de olhos vermelhos avança também. Do outro lado da rua, um senhor descansa dentro de outro veículo com a porta aberta, rádio ligado, programação ou propaganda governamental. Quem ouve acompanha mentalmente:

Allons enfants de la patrie
Le jour de gloire est arrivé


Sob a ponte, a água que passa a cada instante jamais é a mesma. Mas o Sena segue em seu leito. Permanente. Imponente. Eternamente.

+++
Une longue bagnole noire s'approche doucement du feu, fenêtres couvertes par des rideaux argentés. Une ancienne Peugeot 206 rouge est l'unique que ne le dépasse.
Feu rouge: le voiture noire s'arrête, le gars que conduit le Peugeot aussi. Des mains tremblants sur le volant, barbe de 2 jours, les yeux rouges. L'atteinte précipite le pleur, pleur de sanglots, sanglot aussi fort qui rappelle un sourire.

Feu vert. La bagnole noire avance, le gars des yeux rouges avance aussi. À l'autre coté de la rue, un autre gars prend son temps dans une autre bagnole, radio allumé, programmation ou publicité étatique. Ceux qui l'écoute, le suivent mentalement :


Allons enfants de la patrie
Le jour de gloire est arrivé


Sou le pont, l'eau qui coule chaque instant n'est jamais la même. Et pourtant, la Seine suit son lit. Permanent. Imposant. Éternellement.

Egalité: métro Reuilly-Diderot

Nas estações anteriores, todos sabem, todos já sabiam: a aglomeração no fundo da estação é para entrar na primeira porta do trem.

Eu sei, você sabe, todos sabem: na estação Reuilly-Diderot, a primeira porta do metro da linha 8 é a mais próxima da escada de acesso à linha 1. Aglomeração, pressão, concentração; a porta se abre: balde de gente vertido na estação.

Eu não corro, você não corre, ninguém corre; inútil tentar se destacar em meio à massa. Barulho de trem: mais à frente, alguns apertam o passo. Aqui no meio do corredor, apenas resignação: o próximo trem vem logo ali.

+++

Dans les stations antérieures, tous savent, tous savaient: agglomération au fond de la station est pour rentrer à la première porte du train.

Je sais, vous savez, tous savent: à la station Reuilly-Diderot, la première porte du métro de la ligne 8 est la plus proche des escalier d'accès à ligne 1. Agglomération, pression, concentration; la porte s'ouvre: un seau de gens tourné sur le quai.

Je ne cours pas, vous ne courez pas, personne ne court; inutile tenter se détacher de la foule. Bruit de train: peu plus avant, quelques uns accélèrent. Ici au milieu du couloir, résignation seulement: le train prochain vient tout de suite.

sábado, 6 de setembro de 2008

Ion Kippur

Eu erro
Tu erras
Ele erra
Ela erra.

Ela erra?

Nós perdoamos
Vós perdoais
Eles perdoam
Elas perdoam.

E a ferida aberta?
Vaso quebrado nunca mais é o mesmo.

Tempo, tempo, tempo...