domingo, 17 de agosto de 2008

Feliz

Faleceu o Feliz, o homem do tempo do SBT. Ele era o tipo de cara que tentava ser criativo em seu trabalho, algo tão limitado como descrever a previsão do tempo. Então vai aqui, em sua homenagem, um link para alguns vídeos de Louise Borgoin, a "moça do tempo" que faz sucesso por aqui, talvez por não ser nada convencional, e que envereda agora para a grande tela:

http://www.youtube.com/results?search_query=louise+bourgoin&search_type=&aq=f

Mas no exterior...

"... os atletas são tratados com respeito pela mídia", foi isso que li em um jornal outro dia no Brasil, em um comentário sobre a tabloidização da cobertura olímpica no Brasil. Mas será que é verdade?

A França esperava muita coisa da nadadora, até então campeã olímpica, Laure Manaudou. Uma menina jovem e livre: cansou do técnico Philippe Lucas, um tosco assumido, apaixonou-se por um italiano e lá foi ela para a Itália, treinar no clube do namorado. Fotos íntimas suas vazam na net, para a alegria da mídia. Por fim, a paixão acabou e ela voltou para a França...

Chegou as Olimpíadas de Pequim: ela não ganhou nenhuma medalha. E foi massacrada pela mídia. O ex-técnico ainda foi "diplomático" e falou algo mais ou menos assim às câmeras: "Bom, vocês viram que ela está realmente na merda. Mas sim, se ela treinar direitinho, pode retornar à boa forma".

E finalmente...


... o tão sonhado ouro olímpico. Agora sim, o tão esperado momento: você, brasileiro, unfanista, já pode colocar na vitrola o hino nacional - Ouviram do Ipiranga às margens plácidas... - aliás, jogo rápido: o que quer dizer "plácidas"? Eu confesso minha ignorância, tive que ir ao dicionário para ver que quer dizer "tranquilas". E "fulguras"? E um "lábaro"? E uma "clava"? E "garrida"? Pode ser útil saber o que se propaga cantando. Ou então, atenha-se à mão no peito e siga com o "lá, lá, lá...", ora, ora, convenhamos não é tão grave assim. Para te confortar, informo que você não ficará menos (ou mais) brasileiro cantando (ou não) o hino. Há coisas que não é preciso dizer: elas simplesmente exalam e enchem todo o espaço ao redor. Mas alguns ainda insistem em usar a camisa da seleção, "só pra lembrar".

Mas como eu ia dizendo - já me perdi - você já pode se trancar no banheiro, hino nacional na vitrola, uma discreta toalha com a bandeira do Brasil enrolada no corpo, e sim, masturbar-se chorando: "somos bons! Vamos dominar o mundo! Somos fodas."

Pois bem, é preciso reconhecer o mérito pessoal do garoto: mais da metade dessa medalha é fruto do seu próprio esforço. Mas essa medalha também é a coroação do trabalho do Comitê Olímpico Brasileiro e de todas as políticas públicas para o esporte no Brasil. Sim! A eles lhes cabe a parte menor da medalha. Graças à (inexistente) política estratégica esportiva no Brasil, o garoto foi treinar nos Estados Unidos, onde encontrou pessoas que souberam moldar a argila, desviar corretamente o leito do rio. E o único ouro do Brasil na competição vem de um garoto que treina nos Estados Unidos...

Mas ainda tem o futebol. Ah, esse sim, ainda promete uma medalha, nem que seja de bronze. Mas isso nem é muito segredo: o Brasil deve ser o país com maior número de times de futebol do mundo, e bem ou mal, a seleção natural faz seu papel. Viva Darwin! Mas a China é muito maior que o Brasil. Se eles pegam o gosto pela coisa... em 10 anos, terá uma seleção imbatível e aí vamos ter que abaixar a bola, e assombrados, bater palmas para os dribles de Xung Li.

Caro leitor. A essa altura você já deve ter gozado. Está bem: gozar, no Brasil, é vulgar. Em Portugal, não. Então considere utilizar o termo técnico: ejacular. Limpe direitinho, uma urinadinha depois para limpar o canal. Enxugue as lágrimas (se você ejaculou chorando, é porque foi bom mesmo, não é?). É preciso que a gente não se esqueça que esse ouro é fruto das políticas públicas brasileiras, porque elas têm um custo para a sociedade. Um custo em vidas: muitas pesssoas morreram nas favelas do Rio nas semanas que antecederam ao evento graças à temporária política de 'pacificação' das forças de segurança. Já dizia Sun Tzu: "o objetivo da guerra é a paz".

Mas já que a vida no Brasil não vale nada, lembremos ao menos que essas políticas também têm um custo financeiro, e em um país com tantas outras prioridades, não cai bem que o investimento já feito em áreas não prioritárias seja destruído. Isso me faz lembrar as palavras do prefeito do Rio de Janeiro: os jogos Pan-Americanos não haviam nem bem terminado e ele já falava em "transformar" os complexos esportivos, velódromo, que custaram uma boa grana, em "casas de espetáculo". E aquela idéia de trazer os Jogos Olímpicos para o Brasil? Não tem problema: depois a gente gasta tudo de novo.

É nessas horas que me vem um pensamento: o Brasil é míope. É refém de eleições em um ciclo de 4 anos. Plano de longo prazo não existe e é preciso proteger a Amazônia em quatro anos, erradicar a pobreza e a miséria em 4 anos, educar um povo analfabeto em 4 anos. Ainda está melhor do que as empresas de capital aberto: estas são reféns de resultados trimestrais na nova ordem das bolsas de valores online.

E o que? Não, eu não tenho a solução pra coisa alguma. Nem para o Brasil nem para as empresas. O meu prazer é o pus que jorra de sua unha inflamada. Monarquia no Brasil? Estou fora. E nem vem com esse papo: sou ex-sheik, exilado político. O que eu quero agora é aprender a tocar pandeiro e violão e curtir minha tristeza no desterro e, quem sabe, ganhar dinheiro com isso (no futuro, escrevo um livro sobre meu penar, lasco um processo sobre o governo e vou viver de aposentadoria nas costas de seus filhos e netos, lá em Porto Seguro. Com sorte, esses otários ainda me glorificam). Governar um país como o Brasil? Dá um tempo, eu quero sombra e água fresca.

sábado, 16 de agosto de 2008

O dia dos pais


Seria um fim-de-tarde qualquer em uma rua qualquer, não fosse aquele corpo caído na sarjeta. Da boca seca escorria um marca de vômito que marcava o casaco azul, a calça cinza e o sapato preto sem meias.

Boca aberta no meio-fio denota gravidade, e logo vieram os bombeiros com suas sirenes de urgência. Ele não está morto e se recusa a se deitar na maca. Ele rodopia, ele ri, ele chora. Ele evita os primeiros socorros e começa o seu discurso etílico: línguas de fogo. Os rapazes do bar se aproximam. Uns fumam, outros ainda bebem.

Bêbado só dá vexame. Bêbado é um estorvo. Perdão pelo vocabulário, mas bêbado é foda. O bêbado na sarjeta é o alívio daquele que não bebeu tanto assim, e por isso, se dá o direito a mais um copo. Para os bombeiros, o bêbado é apenas uma ocorrência, um procedimento a seguir: medir pressão, freqüência cardíaca, aplicar soro e glicose, seguir para o hospital, mais um relatório a preencher. O bêbado revida e nas idas e vindas, um sapato já saiu de seu pé. Ele acha que está perto da Bastilha, ele diz que mora em Rive Gauche. Ele diz que está bem mas cambaleia para um lado e para o outro, e solta o peso do corpo sobre o bombeiro. O bêbado é um palhaço, e ele sabe disso. Ao seu entorno, uma roda se forma de gente que se entretém com a humilhação alheia e se esquece do tempo que passa igual em todo final-de-tarde.

Na subida da rua ao lado, uma garota aponta de bicicleta. Na cestinha está sua bolsa de pano vermelho que combina com sua blusa de lã, aberta, de botões. Ela tem cabelos lisos e olhos pretos como as sandálias bailarinas que usa sem meias. Seu vestido florido bege sobe suavemente a cada pedalada deixando à mostra bom naco de suas rosadas pernas devidamente depiladas. Ela seguiria seu caminho, mas um pequeno detalhe na aglomeração lhe chamou a atenção:

- PAPA!

O rapaz que bebia volta ao bar, o senhor que fuma apaga o cigarro, o transeunte segue seu trajeto. A senhora que ria com a baguete na mão vira de lado ajeitando os cachos do cabelo. A roda se dispersa.

Pai é herói. Pai dá exemplo. Perdão pelo vocabulário, mas pai tem que ser sempre o fodão. O senhor da sarjeta diz que está bem em voz sóbria e põe-se de pé. Mas tomba logo para o lado direito, esbarrando no bombeiro.

- De novo, papa! De novo...

Pai protege. "Não chora, ...". O lema da República: "liberdade, igualdade e fraternidade". Fraternidade... o bom moço de óculos que carregava arquivos verdes empurra a bicicleta. O senhor que fumava traz o sapato esquecido na sarjeta, o rapaz forte equilibra o senhor de casaco azul que consola a menina, e juntos seguem rua abaixo.

- Pourquoi, papa? Porquoi...

O burburinho desceu a rua, o bombeiro foi embora de sirene desligada. No primeiro vento, folhas secas cobriram o vômito no chão. E os transeuntes que agora passam apenas passam. No bar ouviu-se o sentimental dizer que os semáforos se alternavam melancólicos. O moralista, pelo contrário: "bem feito!". Mas a verdade, se isso existe, é que o semáforo é uma máquina e se alterna ainda hoje igual, tal qual como antes.

Titre de séjour: todo caso é um caso de polícia

Caro Diego,

Veja como são as coisas, eu não acredito nesse papo de deus com d maiúsculo, esse cara que amedronta todo mundo que não participa da gincana terrena da vida eterna. Mas o ditado popular me convence: "Deus escreve certo por linhas tortas". E você havia dito: "vá à Préfecture de Police de Paris". E quando vejo, lá estou eu diante de tal instituição. Seria você Deus? Um enviado secreto do divino? Bom, essas divagações não vêm ao caso, meu caro profeta, atenho-me aos fatos, antes que o Castigo se abata sobre mim e alongue a minha espera pela carte de séjour:

1) Por conta da manhã perdida na espera de visto, a empresa me descontou meia-jornada RTT. Ligo lá e eles me dizem: "Je suis désolé". Meus companheiros do trabalho dizem revoltados: "Il faut ne pas se laisser faire". Ah, a política. Sentimentos pusilânimes. Para me alegrar, comprei uma gravata. Esqueci de pegar o troco. Eu sou realmente um otário;

2) Enviei um e-mail para a Préfecture de Police de Paris explicando meu caso. Três dias depois recebi um envelope com instruções para entrar com o pedido de primeiro "titre de séjour" na Préfecture de Police. O procedimento é simples: você envia: cópia do passaporte, do visto, certidão de nascimento traduzida, 2 fotos branco-e-preto 3,5 cm x 4,5 cm, comprovante de residência e pronto. Depois de 2 meses você vai buscar lá no 4o. arrondissement;

3) Opa!! Mas meu visto vence em um mês, e o "titre de séjour", só chega em 2 meses. Vou ficar ilegal! Resolvi ir lá na Préfecture de Police para tentar obter ao menos um récépissé. Tive a seguinte conversa :

- Oi, sou estrangeiro, já entrei com o pedido de primeiro "titre de séjour" via postal. O processo leva dois meses, mas meu visto vence em um mês. O que devo fazer?

- Senhor, seu visto vai expirar, mas não há problema. É só esperar.

Em outras palavras, a funcionária pública me disse que "não há problema em ficar ilegal". Às vezes, é preciso fazer as perguntas corretas:

- É possível emitir um récépissé enquanto aguardo o documento?

- Sim. Você tem que ir em outro prédio, no 14o. arrondissement, munido desses documentos aqui que eles te fazem um récépissé na hora. Mas hoje, a essa hora, já deve estar fechado.

Próxima parada: Hotel de Police 114/116 avenue du Marne Paris 14ème, Métro Gaîté. Vamos ver se, dessa vez, obtenho o tal do récépissé. O expediente também começa às 9h da manhã...

Titre de séjour: cada caso é um caso II

Caro Diego,

Enfim, comento sobre o que acontece quando você já está na França. Desculpe, Diego, mas o processo que você descreveu foi muito certinho. Um mês?! Poxa...

...

Vamos lá:

1) Quando eu cheguei na empresa na França, seguindo a orientação burocrática, a empresa imprimiu uma cópia do meu visto com a estampa de entrada e enviou para a ANAEM. Não foi para qualquer ANAEM: foi para a ANAEM do departamento 92, onde a empresa está localizada. A resposta: "aguarde que a ANAEM vai te retornar uma convocação para visita médica";

2) Duas, três, quatro semanas e nada de resposta. Eu tento abrir conta em banco. O gerente pergunta: "Você tem o récépissé do seu seu processo?". Não. Eu tento alugar um apartamento. Mais uma vez me perguntam: "cadê o récépissé?". "Pergunta pra sua mãe", era o que dava vontade de falar. Resolvi pressionar a empresa: "Cadê o récépissé? Quando é que vou ter o titre de séjour?". A moça resolveu ligar na ANAEM e olha só, que coincidência: no dia seguinte, recebi a convocação para o exame médico. Mas só pra depois de 3 semanas. E nada de récépissé;

3) Mais três semanas se passaram, eu já arranjei um jeitinho pra abrir conta em banco e alugar apartamento sem récépissé ou coisa alguma. A ineficiência do setor público francês te lança na ilegalidade.

4) E lá vou eu para a ANAEM para a "Visita Médica". Em uma sala estou eu, um rapaz das ilhas Fiji, africanos, árabes, poloneses, romenos. Antes da visita médica, uma francesa tchutchuca e sorridente, apresenta um vídeo sobre os valores da República Francesa: "Liberdade, igualdade e fraternidade". O vídeo insiste em repetir "Na França, a mulher tem direitos iguais aos do homem", "A mulher pode escolher o seu trabalho sem pedir permissão ao marido", "o Estado é laico e o uso de qualquer adereço religioso é proibido em repartições públicas, inclusive o véu". Impagável o sorriso irônico de alguns da sala;

5) Um funcionário, notoriamente estrangeiro, adentra o recinto e explica em uma língua que lembrava francês que o domínio da língua francesa é obrigatório para a manutenção do visto. Talvez fosse para motivar a turma: se até ele, com esse sotaque, foi aprovado, não deve ser tão difícil assim...

6) Após alguns exames, a assistente social me dá meu "contrato de integração", uma convocação para a "formação cívica" para o dia 7 de setembro (um mês e meio depois), e um certificado de visita médica. "Apresente isso para a préfecture".

E aí começa a complicação. Mas antes de mais nada, deixa eu lembrar que aqui prefeitura é mairie e que préfecture é algo como um governo estadual.

O problema é que:

- o processo foi iniciado no Departamento 92;
- eu moro em Paris (Departamento 75);

Em qual Préfecture devo ir? Segundo a assistente social, após dois longos telefonemas, "na Préfecture de Boulogne (92), pois é lá que está seu dossier". E nada de récépissé.

7) E lá fui eu, todo inocente, bobinho, às 9h da manhã, horário de abertura, na Sous-Préfecture de Boulogne. Visão do inferno: gente para todo o lado. Gente de pé. Gente sentada. Pego a senha: 116 pessoas na minha frente. Dois caixas atendendo. Atendimento de 10 minutos em média por cabeça. Faço as contas: não serei atendido antes das 16h, quando fecha. Desisto e vou para o trabalho;

8) Chego no trabalho e comento meu caso, indignado, com um tunisiano. Ele me recomenda: "vá diretamente à Préfecture de Nanterre. Eles têm mais atendentes, são mais organizados. Lá é tudo rápido". Saio na hora do almoço e vou pra lá. Visão do inferno: um prédio gigante, com uma fila igualmente gigante, que sai pra fora do prédio. Vou até o início da fila: a fila de informações tem aproximadamente 60 pessoas e uma mulher estressada atendendo. A fila normal contém 1 atendente, e dois caixas fechados para almoço. Havia no total, mais de 500 pessoas no recinto. Voltei para o trabalho sem o tal récépissé e sem esperanças;

9) Sou brasileiro e não desisto nunca. Acordei cedo no dia seguinte, 6:30h. Às 7h, entrei no metro e 7:45h estava na porta da Sous-Préfecture de Boulogne. Quando peguei a senha às 9h da manhã, horário de abertura, eu era o sexagésimo. Resolvi dar uma volta pelo bairro e voltei só pelas 11h. Fui atendido às 12:15h. Se é que dá pra chamar isso de atendimento:

- Pois não?
- É para o pedido do meu primeiro título de séjour...
- Dá-me seu récépissé...
- Eu não tenho récépissé.
- COMO NÃO?!? Conte-me sua história.
- Sou ex-sheik. Eu morava em meu Emirado, com meus camelos, limpava o ânus com areia e bla, bla, bla...
- Ok. Deixa eu olhar o sistema... - clec, clec, clec, barulhinho de teclado - mas eu não encontro o seu dossier. Você tem uma justificativa de domicílio?
- Sim, o meu contrato de aluguel. - entrego, orgulhoso, o meu contrato de aluguel, que consegui fechar sem porra nenhuma de récépissé.
- AAAAAAAAAAAH! MAS VOCÊ MORA EM PARIS ?!?!
- VOCÊ TEM QUE ENTRAR COM O PEDIDO NA PRÉFECTURE DE PARIS. PRÓXIMO!
- Mas, senhora, a Assistente Social da ANAEM ...
- VOCÊ TEM QUE ENTRAR COM O PEDIDO NA PRÉFECTURE DE PARIS. PRÓXIMO!
- ... me falou que eu tinha que vir aqui, porque aqui está meu dossier.
- VOCÊ TEM QUE SOLICITAR A TRANSFERÊNCIA DE SEU DOSSIER PARA PARIS. PRÓXIMO!
- E como eu faço isso?
- VÁ ATÉ A PRÉFECTURE DE PARIS. PRÓXIMO!!!!

Informações Praticas: culpa do AZERTY

Tudo bem Diego,

Vejo que você não acentuou corretamente algumas maiúsculas e o "a" de "Práticas". Mas está perdoado. "Diga-me como escreves, e te direi que teclado usas". Maldito seja o teclado AZERTY!

O teclado AZERTY é o teclado oficial francês, e difere substancialmente do teclado internacional QWERTY:

- o AZERTY não acentua maiúsculas;
- o AZERTY não tem acento agudo no "a";
- o AZERTY tem letras como "é" e "è";
- o AZERTY tem um monte de caracteres que só aparecem ao se pressionar o ALT da direita junto com a tecla;
- no AZERTY, o CAPS LOCK mostra não apenas caracteres maiúsculos, mas também os caracteres que estão sobre os números, como se o SHIFT estivesse apertado;

Na primeira semana aqui, blasfemei: "Qi, aue merda de teclqdo". Mas agora já acostumei. Mas em casa, continuo com o meu querido QWERTY internacional.

Titre de séjour: cada caso é um caso

Pois é Diego,

Você bem disse: após a obtenção a entrada na França com um visto temporário de trabalho, a peregrinação pelo visto apenas começa.

Não que o processo que culmina para a obtenção do visto temporário seja fácil. Longe disso, é uma gincaninha burocrática que passa pelas seguintes etapas:

1. encontrar um empregador que realmente goste de você e que se responsabilize por lhe solicitar um pedido de visto enquanto você ainda está no exterior;

2. para justificar o pedido de visto, a empresa provar que você possui uma qualificação que não é encontrada na França. Para tal, a empresa publica um anúncio para a sua vaga no site da Agência Nacional para o Emprego, ANPE;

3. se em um mês não houver uma pessoa qualificada francesa que se candidate a esta vaga, ótimo: a empresa já pode entrar com um pedido de introdução de um salariado estrangeiro na "Direction Départamentale du Travail, de l’Emploi et de la Formation Professionnelle"(DDTEFP) do departamento francês onde se encontra. E aí, prepare-se para fornecer a sua empresa alguns documentos, como:

- cópia do passaporte
- fotos 3,5 x 4,5
- certidão de nascimento (obviamente traduzida para o francês em tradutor juramentado)
- cópia do diploma universitário e demais certificados que comprovem a sua especialização (obviamente devidamente traduzidos para o francês em tradutor juramentado)

É salutar negociar que sua empresa pague a taxa para obtenção do visto de trabalho (não tenho os valores atualizados, mas é mais que 1000 euros).

A partir daí, conte algo entre 2 ou 3 meses para que seu processo seja aceito ou simplesmente negado. Se a empresa fez a lição-de-casa direitinho, publicou a vaga e esperou um mês sem encontrar um francês para a vaga, é bem provável que seu dossier seja aceito e o seu contrato seja aprovado pela DDTEFP.

4. Dossier aceito, agora a batata quente está no colo da Agência Nacional de Acolhida a Estrangeiros e de Imigração, ANAEM, do departamento francês onde sua empresa está localizada, que seguirá com os demais procedimentos burocráticos que culminarão com a aparição mágica de um visto para você na embaixada ou consulado francês mais próximo do seu endereço de origem. Conte aí ao menos uns 40 dias de silêncio absoluto dos órgãos públicos franceses. Não adianta ligar: ninguém sabe, ninguém viu seu dossier;

5. Como um passe de mágica, um belo dia você tem uma idéia de ligar no consulado francês mais perto do domicílio de origem informado no seu dossier e descobre que lá está uma autorização para um visto temporário de trabalho;

6. Você se dirige ao consulado, e após descobrir que sim, é possível colocar 100 pessoas em fila em pé por 4h em um cubículo 4m x 4m sem ar-condicionado, você descobre que faltou um documento que te permita retirar o visto. Volte pra casa chorando, obtenha os documentos pedidos e volte no dia seguinte;

7. Parabéns! Sua persistência e capacidade de manter a sua polidez e fluência em francês em um ambiente hostil valeu-lhe o carisma do pessoal do consulado, que agora lhe oferece um copo de água e uma cadeira na área reservada aos funcionários enquanto eles procuram o seu dossier, que se perdeu embaixo de uma montanha de papel. 1h depois, eles encontraram o papel e você já está apto a fornecer suas impressões digitais. O que? Você não trouxe os 60 € da taxa X que todo mundo sabe que existe menos você? Tá bom, eles quebram o galho pra você e permitem que você saia correndo pelas ruas do entorno encontrar um caixa automático;

8. Agora sim! Você já tem um visto "France (+1 Transit Schengen)" colado no seu passaporte, com uma observação "Salarié ANAEM - Carte de séjour à solliciter dans les deux mois suivant l'arrivée".

Simples, né? Mas esse post não era para falar sobre o que vem antes, e sim, sobre o que vem depois, onde realmente começa a burocracia. Mas esse post ficou grande, vamos para o próximo.