- Professor, posso ir no banheiro? - para o desespero do professor.
Veio o segundo semestre, e as temíveis aulas de "Álgebra Linear", com o Ali. Ah, o Ali... o Ali era gay. Gay não. Sem estrangeirismos: o Ali era veado. VE - A - DO. Era não, ainda deve ser: gozava de uma união estável com seu companheiro já há alguns anos. Ali era exigente. A gente sofreu, falo por mim: fiquei para exame. Mas a gente aprendeu muito com o Ali: no dia em que saiu as notas da última prova, ainda lembro de um de nós, depois de pegar sua nota e ver que passou, falar com a maior sinceridade:
- Oh, professor, assim, ... , na boa, ... pra mim, veado não é homem!
Ali, um provador de teoremas por excelência, respondeu com a maior naturalidade:
- Por definição, veado é um homem que gosta de homem. Portanto, sou homem.
Nos semestres que se seguiram, Ali continuou professor e veado e continuou dando aulas das matérias básicas - cálculo II, cálculo III - e suas turmas seguiram sendo disputadas, porque ele é bom professor.
O que? Você se ofendeu com este termo chulo: "veado". Vai querer me processar? Ah, essas milícias puritanas do politicamente correto. Não precisamos chegar a esse nível: eu aqui ponho meus óculos, um avental branco de especialista e assim, substituo tudo pelo termo técnico-científico que define os padrões de conduta sexual humanos: "os homossexuais, os heterossexuais, bissexuais, os panssexuais, os metrossexuais, ... zzz..."
A partir de um blog em que sou assíduo leitor vejo que um ciclista foi espancado pela Polícia em São Paulo por pedalar semi-nu em protesto por mais prioridade aos não motorizados. Protesto, aliás, que foi ridicularizado pela mídia guardiã da "normalidade".
Ah, a normalidade... através de um jornal brasileiro na internet, mais uma notícia: "Evangélicos invadem Congresso contra projeto que criminaliza homofobia". Isso me lembra a onda de cartas de protesto enviadas aos jornais de Dubai que culminaram com a censura ao site do Orkut, site de relacionamentos do Google. Ah, as pessoas protestavam porque descobriram à altura que lá existia uma comunidade chamada "Dubai Sex"...
Os argumentos dos pastores são dignos de nota. Algo me diz que essa gente ia adorar morar em Dubai:
"Sabemos que há uma maquinação para que esse país seja transformado numa Sodoma e Gomorra [cidades bíblicas que teriam sido destruídas pelos excessos cometidos por seus moradores]. Um projeto desses vai abrir as portas do inferno"
(contra todo idealista, sempre uma conspiração mundial de prontidão)
"Esse projeto de livre expressão sexual abre as portas para a pedofilia. É uma afronta à Constituição e à família"
(quantas portas, minha gente!)
Paris, sexta passada: na volta pra casa, atravesso o Marais de bicicleta: em uma esquina, uma fila de homens de todas as silhuetas fazem fila na entrada de uma boate. Na outra, um casal feminino se beija na rua, em plena luz do dia. E nem por isso a mulher que vinha do supermercado com suas crianças mudou de calçada.
Isso não quer dizer que eu concorde com a lei: é triste ver que o Brasil ainda perca tempo (e recursos, salários de deputados, etc) discutindo leis para redefender o que já foi conquistado e deveria ser óbvio. Mas o que preocupa que isso é ver setores messiânicos da sociedade ganhando mais e mais espaço, controlando rádio e TV.
Viva as liberdades individuais!
Viva o Estado laico de direito!
Obs.: sim, mudei os nomes...