segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Eles falam tchuquinôuders

A CHEGADA DE DEUTÉRIO

Eleutério recebe a visita de Deutério, que vem de férias de um país distante para um período de uma semana.

- Como foi de viagem?
- Foi ótimo, aproveitei minhas milhas e vim em classe executiva.

Após deixar as malas no apartamento, decidem sair para jantar. Deutério delicia-se com os pratos da culinária local e um momento de crise muito importante, filosofa sobre nobres frivolidades:

- Sabe, eu simplesmente não sei o que estou fazendo lá naquela merda de lugar. Aqui em Frutchinander é muito melhor. Você realmente está bem aqui.
- Sim.
- Se não fosse pelo dinheiro... ao menos meu trabalho paga meus prazeres. Como este, de estar aqui.
- Este é um motivo para um brinde!

E assim brindam sorvendo assim mais um copo de vichinitchers, a bebida local.

O BAR DA RUA OBROTCHUCAMP

Ao sair do restaurante, Eleutério tem uma idéia:

- Vou te levar para um bar legal. Fica na rua Obrotchucamp. A rua Obrotchucamp é muito legal. A rua Obrotchucamp tem os melhores bares da cidade. A rua Obrotchucamp há mulheres nuas correndo pela rua. A rua Obrotchucamp é o que há.
- Tudo bem, se você diz que é bom, eu acredito. Vamos a rua Obrotchucamp.

Tomaram o trem metropolitano e seguiram assim para a tão bem conceituada rua. Lá chegando, logo encontram um bar interessante, com várias pessoas à frente.

- Quanto é a entrada?
- É gratuita.
- Oooh...

O bar é o Tchugunaidernal. Chão de cimento, esculturas e pinturas na parede. Esculturas? Uma carcaça de automóvel pintada de cores reluzentes pindurada na parede. No piso inferior, a banda internacional do dia de rapazes de cabelo cor-de-fogo tocam instrumentos que chamam de "fôuqui". Rapazes estranhos, som interessante. Esse é o Tchugunaidernal. Por Eleutério e Deutério sentem falta de alguma coisa: bebida. Embora não sejam mais adolescentes, ainda não deixaram o vício dos narcóticos aceitos pelas sociedades ocidentais e seguem para o balcão.

Lá chegando observam uma garota. Não é uma garota bonita pelos padrões de estética, mas tem sua graça: é uma garota com feições típicas de Frutchinander. E o mais importante: notou a sua presença. Mas ela está acompanhada de um rapaz barbudo, Junai, que embora não a toque, transmite todo um ar protetor, seja de namorado ou de irmão mais velho, embora a cor de seus cabelos exclua a última possibilidade:

- Tchugulou! (Oi!)
- Ei! Tchugulou! (Ei! Oi!)
- Tchu tchu tcheg tchuquinôuders ? (vocês falam tchuquinôuders?)
- Pri! (Sim!) - adiantou-se Valquíria (chamemo-la de Val). Junai contentou-se a dizer sim com a cabeça, não passando muita credibilidade.
- Ei! Tchandebaners! (muito bom!)
- Tchu tchu tchanáuers sam kim? (E o que vocês fazem aqui?) - rebate Val.
- (...) - Deutério desembesta a falar.

É notório o tom solene com que Valquíria falava: ela arrumava o cabelo, endireitava a coluna e abria mais os olhos levantando as sobrancelhas, apertando os lábios. Não é todo dia que se fala tchuquinôuders!

E no mais, estão todos encantados com os dois estrangeiros. Eles falam tchuquinôuders, que por si só, já é sinal de respeito e cultura. E ainda falam bem o seu idioma! Como é possível?!

E esse interesse empolga Deutério, que fala e cativa a platéia - de homens - que alimenta suas descrições do misterioso e distante lugar onde vive. Eles o consideram um rapaz corajoso, o que o motiva a falar mais. Mas esta não é a opinião de Val, que agora sente-se deslocada da conversa.

Bem verdade é que Deutério cometeu um erro crasso; desrespeitara a regra clara da sedução: saber ouvir. Que se desdobra em outras atitudes: alimentar a conversa alheia com mais perguntas, e por fim, falar pouco sobre si. Eleutério vê aí uma oportunidade:

- Seus olhos são lindos... de que cores são?
- Depende do dia (risos)... tchu tchu cantritchu? (qual o seu país?)

Eleutério não entende por que, mesmo falando frutchinanderlen, ela insiste falar em
tchuquinôuders.

- Brantchelanders.
- Ah bom?! Brantchelanders?!

Os bonitos olhos de Val brilham: ela nunca tinha visto um homem de Brantchelanders. Mas todos dizem que os homens de Brantchelanders são bonitos. Os homens de Brantchelanders são fogosos. Os homens de Brantchelanders traem suas mulheres. Os homens de Brantchelanders... aaaamiga... eles são de-mais.

- Vamos lá fora?
- E por que não?

No caminho as mãos se tocam. As pontas dos dedos percorreram os braços até encontrarem um pouso seguro em seu pescoço. Ausência de resistência que lhe enchia de coragem. A porta se abre, ela faz que vai para um lado, vai para o outro. Eleutério a segue e por fim toma as rédeas da situação por completo. Agora ele é todo certeza e nada mais impede o desenlace da situação que ela iniciara, mas que ele dirige com maestria. A mão do pescoço escorre pelo outro lado até que o braço a puxa de um só golpe contra seu corpo contra a parede.

Golpes de calor. Línguas que se tocam selvagemente. Ela perde as estribeiras ao realizar um sonho quase erótico: beijar um homem de Brantchelanders. Sem pensar, desceu a mão para as nádegas de Eleutério que não lhe oferece resistência.

Por fim, em uma pausa para respirar, Val tira os cabelos do rosto de Eleutério e confessa:

- Você corresponde exatamente às minhas fantasias sobre os Homens de Brantchelanders?
- Aé? Como assim?

Não ouve tempo para responder. Uma loira atravessa a rua gritando e aproxima-se do casal:

- Hoje é um dia muito importante para mim, é meu aniversário de 30 anos. E vocês são O CASAL DA NOITE! - e cochicha no ouvido de Val - eu vi você passando a mão na bunda dele...

- Se você quiser não há problemas - completa Eleutério, já puxando a mão da garota para suas nádegas. Ela fica sem graça, e volta para o Bar DoOutroLadoDaRua.

FIM DE NOITE

Eis que as horas passam e a noite chega ao fim. Val procura em vão seus amigos naquela fria noite: eles a deixaram só. Ciúmes? Pelo sim, pelo não, terminaram por dar uma força para as intenções veladas de Eleutério.

- Se você quiser... bom... meu amigo já está em casa... a gente pode dormir juntos, mas já adianto que não pode acontecer nada. Meu amigo está por lá...
- Hmm... está bem.

Acordo feito, buscam Deutério que atravessou a rua. Lá está ele no Bar DoOutroLadodaRua.

- Vamos embora?
- Sim!

Eis que na saída, que surpresa.

- EEEEi... o casal da noite! - sim, a mesma garota se aproxima. E como ela é atraente. De cara pergunta:

- E vocês de onde são?
- Brantchelanders...
- Brantchelanders? - e não é que ela desanda a falar brantchelanderlen? Não sem um forte sotaque, que deixa claro que esta não é sua língua materna.
- Como assim?
- Sou filha de Prutchinoudilainers, e lá também falamos uma variação de brantchelanderlen.

Foi paixão a primeira vista: Eleutério, ainda abraçado com Val, não sabia o que fazer, até ter uma idéia: puxando Val discretamente para o outro lado, lança o telefone na mão de Deutério e faz um sinal com a cabeça.

Mas que tristeza! Deutério não entende seu gesto? Deutério está realmente destreinado com as artes da dissimulação. Eleutério beira o desespero: agora os dois - Eleutério e Val lhes olham simultaneamente, e não há nada que ele possa dizer em tchuquinôuders que Val não entenderia. Por fim, desiste do caviar e tenta - não sem contragosto - aceitar a comida que tem no prato: chuchu.

- Vamos para casa.

A CASA DE ELEUTÉRIO

Eleutério explica a Val.

- Olha... você vê que o apartamento é pequeno. Deutério dorme no chão, eu e você na cama. Está aqui uma camisa para você dormir com mais conforto.
- Ok.
- Eu ronco - completa Deutério.

E assim, apagam-se as luzes: Eleutério de pijama, Deutério de saco-de-dormir e Valquíria de camisa e calça jeans. Ao menos até o meio da noite...

O DIA SEGUINTE

Eleutério levanta cedo com Valquíria trocando de roupa.

- Escuta, não quer tomar um café?
- Não, eu como em casa.
- Então está bem.

Acompanha a garota até a porta. Na saída, ela aperta a campainha do vizinho pensando que é a luz. E mais uma vez o rapaz abre a porta para ver o vizinho sem graça esperando o elevador. Ao descer, cumprimenta o porteiro que faz festa - esse é o cara de Brantchelanders!

Na volta encontra Deutério de pé.

- E aí, dormiu bem?
- Sim. Quer dizer, até eu começar a ouvir uns barulhos...
- Eu trouxe pão e aqui tem café.

NO FIM DA TARDE

Valquíria chega ao bar, aquele de frente para o cais, onde já estão todos os seus amigos. Virília, ao vê-la, sorri com comichões:

- E então?
- É ...

Junai, entre uma bebericada e outra, consola-se com Miraí. Ambos com olhar distante, mirando a outra margem do rio:

- É.
- Pois é.
- (...)
- (...)

Junai aperta os lábios com um brilho de estranho contentamento no olhar. Contentamento de descoberta de coisas novas:

- Eles falam tchuquinôuders.

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