sábado, 13 de dezembro de 2008

Em 5 parágrafos

Bom dia, meu querido diário,

Primeiro parágrafo - as regras do jogo - Já começo dizendo quais são as regras do jogo hoje: apenas 5 parágrafos. Imponho-me uma disciplina, que é para não te cansar.

Segundo parágrafo - sapin de nöel - Já era meio-dia e meia da madrugada quando tocou a campainha. Ou o celular, ou o telefone. Ou o despertador. Atendi o interfone. Era o concierge: "Chegou uma encomenda para você. Oba! Lá embaixo, maior algazarra: a petizada montava junto com Laurent a árvore de natal. Para eles, o natal é um grande evento. Para mim, um dia como outro qualquer. O que foi que se perdeu nesses anos todos, que não consigo mais sentir aquelas cores distintas dos dias especiais? Talvez seja essa a função das crianças: na certeza de suas fantasias, levar os mais velhos a reviver as cores mágicas dos Grandes Dias - Natal, Ano-Novo, Páscoa, Festa Junina, Ramadan, Eid Al Fitr, Eid Al Adha, No Ruz, a festa da Yalda, Chaharchambeh suri, Quarup, Diwali, Carnaval, Aniversários - aos quais esperam impacientes. Hoje, espero impaciente apenas as minhas férias. E curiosamente, reluto em marcá-las.





Terceiro parágrafo - livros! - apesar das cores opacas, hoje é um dia especial. Chegaram os livros que comprei pela internet. Mais de 2500 páginas. Se eu ler 25 páginas por dia, são 100 dias de leitura, o tempo que levou para Amir Klink atravessar o Atlântico a remo:



- Fragments d'un discours amoureux, Roland Barthes - dica da minha irmã e citado em um livro de psicanálise que li. Fiquei curioso...
- Le Brésil, terre d'avenir, Stefan Zweig - a primeira vez que ouvi falar dessa austríaco que se suicidou com a esposa no Brasil foi na casa do Danilo, em Nice. Depois ele seria também citado no último livro de psicanálise que li, mas por conta de um outro livro...
- Le joueur d'échecs, Stefan Zweig - sim, é esse o livro que foi citado.
- Du côté de chez Swann, Proust - esse é o primeiro tomo dos sete que compõem "À la recherche du temps perdu", escritos ao longo de 30 anos. Livro parrudo de letras diminutas. Linguagem soutenu. Começo a entender por que ninguém o lê.
- Le rouge e le noir, Stendhal - estamos entrando no terreno de "gente grande"... será que eu consigo?
- De l'amour, Sthendhal - eu ia encomendar "La Chartreuse de Parme", mas na última hora troquei por esse aqui.
- The waves, Virginia Woolf - o único em inglês. Mais um citado no livro de psicanálise que li. Você sabia que ela se suicidou em alto estilo? Escreveu uma carta para o marido, encheu os bolsos de pedra e entrou em um rio.

Tudo bem. Eu sei que pulando uma linha assim eu caracterizo um novo parágrafo. Mas pra mim, é como se fosse o terceiro ainda. Eu sei que você me perdoa. E você deve se perguntar: que livro é esse de psicanálise? L'incapacité d'être seul - essai sur l'amour, la solitude et les addictions, de Catherine Audibert. Ela afirma que alguns eventos - morte, fim de relacionamento, mudança de país - reavivam sentimentos de solidão-angústia em indivíduos que não amadureceram na infância a sua capacidade de estar bem só. Neste contexto, as atividades viciosas - e o vício ou compulsão pode ser por qualquer coisa: uma droga, uma relação amorosa, sexo, remédios, comer, não comer, escrever, correr, pedalar, nadar, comprar - serviriam como um mecanismo de auto-proteção psíquica que impediria o sujeito de enlouquecer. BINGO! E sigo aqui escrevendo, tomando o meu café, com você ao meu lado. Vício? Ao menos estou sentado. Parece que Fernando Pessoa escreveu Mensagem de uma tacada só, de pé, escrevendo em uma prancheta. E eu não sou Fernando Pessoa, nem quero ser; já sou alguma coisa: sou engenheiro. E olhe lá.



Quarto parágrafo - la bouche souceuse - Sim, eu tenho um certo preconceito a quem cita os outros: parece que está enchendo linguiça. Ou melhor: tentando "pegar carona" na fama alheia. Como se o fato de ter lido um Grande Clássico confira alguma qualidade às merdas que se escreve. Mas vai ver se você encontra alguma referência a outros em Grandes Sertões, por exemplo. Não há. Ou melhor, eu não vi. Vixi, mas isso já é uma citação... mas eu reconheço: tenho citado muita coisa ultimamente. Mas eu posso: enquanto escritor, sou ótimo engenheiro. Mesmo que nenhuma das minhas atividades sejam relacionadas à engenharia. E tenho que pagar CREA. E uso e abuso do status que isso me proporciona. Tenho que aproveitar; na faculdade, as meninas me perguntavam:
- Ei, você é músico?
- Mais ou menos.
- Que instrumento você toca?
- Eu toco teclado...
- Que legal! O máximo teclado...
- ... de computador...
- Ah tá - entenda-se "piada sem graça" - ... mas de que curso você é?
- Engenharia de...
- Ah, tá... entendi.
E acabava por aí a conversa... meses sem beijar. E nas aulas, aquele volume asfixiante de homens, que falavam de futebol, carro e bundas das meninas-máquinas das revistas (que de tão perfeitas, não me atraíam). Alguns falavam de computação, e eram insuportáveis. As meninas que me atraíam eram justamente aquelas que não se maquiavam, que combinavam um cachecol de lã verde com botas pretas e um casaco de brechó, ou que de um dia para o outro, raspavam a cabeça. Imprevisíveis e elegantes na simplicidade. Naquela época, cheguei até a ler algo sobre Brecht, com o único fim de ter algum pretexto para copular com as garotas das Artes Cênicas. Mas entenda, diário: naquela época eu ainda não tinha essa boca inflável - bouche souceuse - e pensava ainda que precisava ter uma mulher interessante ao meu lado, alguém que fosse uma fonte infinita de descobertas e soubesse beijar sem por isso ter mau hálito, para conseguir suportar o peso dos dias. Mas hoje, com o dinheiro que a vida de "engenheiro" me proporciona, descobri esse brinquedo. Quando sinto falta de beijo, tiro ela do bolso e smuááác. E ouvi dizer que tem gente que em vez de beijá-la, põe o pipi dentro. Que nojo, meu diário! Já imaginou, você, esfregando a glande do pipi na borda de um copo e depois indo lá, com a maior naturalidade, e ... beber água? Há gente que vai argumentar - "mas são todas substâncias suas" - oras... mas eu entendo a sua incompreensão: diário não tem pipi, não tem braços, só páginas de papel e um elástico que fecha a capa.

Quinto parágrafo - tiro ela do bolso e muááác... certa vez disse isso diante de uma portuguesa e ela riu derisoriamente - "vocês falam como crianças. Meu filho também fala assim". Está bem, diário. Se isso te faz feliz, mudo: "Tiro-a do bolso e muááác". Mas soa estranho. "Tiro ela" pode soar feio, mas é mais natural. E agora, chega: são quase 15h, e ainda tenho que lavar e passar roupas, lavar louças, andar de patins e bicicleta e limpar o apê e sair à noite e dormir cedo. Você sabe que não vai dar tempo, e eu também. Mas a vida é assim, cheia de planos. Alguns realizáveis, outros não. Fui.

4 comentários:

Gnomo disse...

Sorte com Proust! Eu abandonei depois das primeiras páginas. Se me pedisse, eu te dava o livro de presente, para deixar de ocupar espaço nas minhas prateleiras, hehehe.

iglou disse...

Estou achando graça das tuas leituras. Tenho dois grandes amigos, amigos entre si. Um é lingüista, o outro crítico literário. O lingüista lê livros como os que te mandei e nenhum clássico. Nunca. O crítico literário está no último volume do Tempo Perdido (ele considera essa leitura uma espécie de investimento)e não lê nenhum livro que o amigo tenha lido. Por princípio. As tuas leituras são alfa e ômega, a união desses dois bons amigos meus.

MTonon disse...

oi Luis.
Vi uma matéria no Globo de ontem (acho) que me elmbrei de você : Estão fazendo pacotes turístico de caminhada/pedalada entre de Dubai para Omã e afins. Pacotes de 11 dias por DEZ MIL dólares!!! Você, com todo seu conhecimento, poderia mudar de profissão e encher os burros ;)

L'incapacité d'être seul - essai sur l'amour, la solitude et les addictions, de Catherine Audibert
Fiquei curiosa.. é bom esse livro?
Tem tradução para o português? não encontrei...

beijocas de sua fã ;)

Márcia

Anônimo disse...

Vc está escrevendo tão bem e quase tão escrotamente quanto Bukowski ou Gutierrez.

Só não acho apropriado ler Virgínia Wolf no seu estado. Vai querer pular da sacada. Já viu As Horas? Vai querer pular do último andar do prédio. Se quiser o suicídio, tem a Clarice Lispector. Auto flagelação em português e desgraçadamente bonito e dolorido.