terça-feira, 23 de setembro de 2008

Os incompreendidos

Não, este não é um post sobre o primeiro filme de Truffaut do ciclo Doinel com Jean-Pierre Léad. É apenas para dizer, em tempo, que essa história de que francês "não gosta" e "é grosseiro" com quem não fala francês é uma dessas lendas urbanas, que pertence a mesma família de generalizações como "argentino é todo filho-da-puta", "todo brasileiro é vagabundo", "toda brasileira é puta", "todo indiano fede" (e como!), e por aí vai.

Eu tenho uma teoria: a grosseria que alguns turistas experimentam em território francês, especialmente em Paris, deve-se mais a uma questão de percepção do tempo de cada um, a um problema linguístico em si.

Explico: franceses, em geral, valorizam MUITO a polidez no trato com desconhecidos. Isso se expressa na forma como se inicia uma conversa. Ela sempre é iniciada com calma, com o tempo de um "Bom dia":

- "Bonjour!".

Só então, é que se pede permissão para perguntar algo:

- "Excusez-moi...".

E na hora de perguntar algo, usa-se sempre o vous com quem não se conhece.

O que um turista não entende é que desrespeitar esse protocolo é tão chocante para um francês como alguém aí no Brasil te abordar na rua usando palavrões, assoando o nariz ou coçando o pinto.

E o turista é mesmo uma "raça porca": (Mal) acostumado com a infantilização da estrutura turística em que tudo tem um preço e todos são seus servos prestes a lhe oferecer um deleite, esquece-se quem mesmo em um lugar turístico, há pessoas normais, que não são trabalham com turismo, e que não têm nenhuma obrigação em saber tudo o que se quer saber.

E o turista "chega chegando" no francês, no tempo cibernético, com a rapidez de um envio de um e-mail, de uma compra de ações na bolsa:

- "Hey, do you know where is..."
- Bonjour...

Bonjouuuur... Essa é a resposta-padrão de um francês quando é abordado de maneira que considera grosseira por um estrangeiro.

Mas não precisa falar francês para ser respeitado: basta seguir o protocolo, em inglês mesmo:

"Good morning!",
"Do you speak English?",
"Could you help me?"...

... tudo isso sem pressa, no tempo de quem toma um expresso contemplando a cidade. E não se espante se ele não responder: nem todo francês fala (bem) inglês. E quem não fala, é complexado com isso. É claro que a quantidade de franceses que falam inglês é proporcionalmente maior que no Brasil, mas não espere lá muita coisa...